domingo, 28 de junho de 2009

Na terra do liberalismo (2)


Agora posso dizer que uma das minhas maiores missões em San Francisco está concluída: fui assistir hoje (28 de Junho) ao desfile da parada GLTS (Gay, Lésbicas, Transexuais e Simpatizantes), a que deu origem a todos os outros do mundo. Durante o mês de Junho inteiro, a Market Street – uma das principais da cidade, chamada de “a espinha dorsal de San Francisco” – ostentou em todos os seus bonitos postes de luz, ao longo de suas mais de 3 milhas (~ 5km) de extensão, grandes bandeiras do arco-íris. E não importa se a rua passa no meio do centro financeiro da cidade: aqui, até os executivos têm cara relaxada, convivendo pacificamente, ou até mesmo encarnando o liberalismo em todos os sentidos.

Depois de 5 meses indo para San Francisco quase todos os finais de semana, eu nunca vi aquela cidade tão cheia, o metrô (BART) tão lotado, pessoas rindo, cantando e dançando tanto, e tantas mulheres nuas ou seminuas. Não entendi direito a ligação deste último fato com a parada gay, mas parece que o espaço conquistado por um grupo para clamar por seus direitos, é tranquilamente compartilhado com outros. Hoje, não somente os GLTS comemoravam seus direitos conquistados (não completamente ainda), mas vários outros aproveitaram também para exigir os seus: direitos de “voz” para as mulheres, movimento pacifista dos soldados que foram ao Iraque, apoiadores de um Estado Palestino (que teve até “bloco” no desfile), etc.





O desfile teve seus momentos escandalosos, como se podia esperar, até mesmo por parte do público. Afinal de contas, não é só um desfile, é todo o clima do ambiente em volta, a forma como as pessoas de fato vivem.




(Com vocês, a rainha gay latina!)




No entanto, mais para o fim do desfile, podia-se perceber que nem tudo é só festa. Os últimos blocos eram de associações de advogados, empregados e empregadores a favor do direito dos homossexuais; policiais e bombeiros da cidade em seus belos uniformes (entusiasticamente aplaudidos pela platéia, num ato que me emocionou profundamente); empresas que orgulham-se por empregar funcionários gays (NADA nos EUA deixa de ter conotação comercial, mas como eu já me manifestei antes, tudo bem!); e, finalmente – e eu como brasileira fiquei impressionada – movimentos religiosos simpatizantes. Famílias católicas (!), representantes de igrejas “crentes”, e até mesmo padres anglicanos, seguidos de uma trupe de fiéis de suas respectivas paróquias. Nome e sobrenome dos padres podiam ser lidos nas faixas penduradas em seus carros.




(Reparem na bandeirinha brasileira na camisa do jovenzinho!!!)


(Os padres também foram particularmente bem aplaudidos pelo povo.)

E finalmente, quase ao fim do desfile, isso:

("I support gay marriage")


("God is Love")
Só para se ter uma noção, o desfile percorreu 2 km, debaixo de um sol escaldante no auge do verão californiano. Dada a grande quantidade de blocos, cada um deles teve que ir numa velocidade considerável. EU tive dificuldade de andar tudo sem parar algumas vezes debaixo de uma sombra fresca. Quem me diz agora que o que estas duas senhoras (principalmente a segunda) quiseram manifestar não é algo sério?

Duas semanas atrás, fui para o outro ícone do liberalismo San Franciscano: o bairro dos hippies, Haight-Ashbury.


Dizem que no auge do movimento hippie, mais precisamente durante o verão do ano de 1967 – o “Verão do Amor” – mais de 75 mil pessoas acomodaram-se no bairro para participar da “revolução”. Agora, apesar do movimento resumir-se a velhos com longos cabelos, tatuagens e rastafáris vendendo lembrancinhas em suas barraquinhas, há dois festivais anuais que já ocorrem há algumas décadas: a feira de rua, em Junho (a que eu fui), e algo como o “Festival do Amor”, em Outubro (não vi referências no guia, apenas dei uma de enxerida e fiquei ouvindo a conversa de pessoas dentro do café de H-A).
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(Cartaz oficial do Festival de Rua deste ano, juntamente com cartazes dos outros anos.)



(O clima de "Paz e Amor" reina em todo o bairro de Haight-Ashbury". Este é um típico café.)


Poucas semanas depois de chegar na Bay Area, comecei a reparar na enorme quantidade de um certo carro da Toyota nas ruas. Sua freqüência é como o “Palio” no Brasil, mas sua beleza equipara-se a um pequeno Xsara, com um traseiro de carro esporte. Jurei a mim mesma que, caso chegasse ao Brasil, mesmo que custe 3 vezes mais caro do que o quanto custaria aqui, eu teria meu “Prius” (principalmente o vermelho!). Não pude deixar de comentar com Ben, meu cunhado, quando ele e minha irmã vieram visitar a família dele aqui em Oakland. “-Ah! É um carro super econômico, bastante eco-friendly. A Toyota já tem uma lista de mais de um ano de espera!” É óbvio. É óbvio que tinha alguma conotação política/ideológica por trás do enorme gosto popular pelo carrinho. Na mesma semana vi uma reportagem na “The Economist”, sobre um suposto movimento emancipacionista na Califórnia. “A Califórnia do litoral central é completamente incompatível com a Califórnia do resto do estado, principalmente do interior. É a ‘Califórnia do Prius’ versus a ‘Califórnia dos SUVs’ (monstruosas caminhonetes movidas a diesel)”, dizia a reportagem. E até mostrava um mapa com o estado dividido entre ultra-liberais e ultra-conservadores. Para os que pouco conhecem a geografia (e a política) da região, o litoral referido vai do sul de Los Angeles ao norte de Berkeley. É aqui onde se encontram Hollywood, as praias, Berkeley, San Francisco, onde os brancos já são minoria e onde existem três idiomas oficiais: inglês, espanhol e chinês. O liberalismo aqui não é só sexual (com em SF), não é só político (como em Berkeley), mas é também cultural. Aqui, quando você fala que é do Brasil, as pessoas dizem: “- Puxa, que coisa boa a bossa nova brasileira!” (é claro que eu não ouso dizer para eles que antes de vir para cá, foram poucas as vezes em que parei para ouvir uma bossa nova...) Já o interior é a região das grandes fazendas, dos conservadores que elegeram os diversos governadores republicanos, e foram capazes de reverter a legalidade do casamento gay no estado. Mas eles também reclamam (e por isso a Economist acredita que pode haver um racha no estado). Foram os liberais do litoral, protestam eles, que aprovaram a lei que proíbe a criação de vacas confinadas (no estado onde o preço da terra é um dos mais altos do país). Um entrevistado da Economist esbravejou: “- E esses indivíduos sequer viram uma vaca em toda a sua vida!”; algo que eu não duvido nem um pouco.

Mas talvez, esse seja o preço da bela democracia: abrigar debaixo de um mesmo céu pessoas com idéias tão diferentes, que vêem o mundo e as outras pessoas de formas tão diferentes. Na Califórnia, a briga entre fazendeiros e eco-liberais é apenas uma delas. Hoje, em pleno fim-de-semana da “SF Pride”, numa festa ansiada longamente e planejada cuidadosamente (comprovada pelas 95 páginas de seu website), havia uma (pequena) manifestação na esquina mais movimentada de toda a San Francisco (Market com Powell). Quando eu vi, não pude deixar de rir muito...





Tal é a democracia! Viva o mundo livre!

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Na terra do liberalismo (1)

Na terra governada por Conan, o Bárbaro, ou o Exterminador do Futuro, ou o Tira que foi para o Jardim de Infância, o mínimo que se podia imaginar era que política fosse uma grande ficção ou comédia por aqui. Muito pelo contrário. Se a Califórnia não for o lugar de maior ativismo político nos EUA (e eu duvido que não seja), certamente ela é o de maior ativismo político liberal. E não há a menor sombra de dúvida que UC Berkeley tenha o corpo estudantil mais politicamente ativo do país.

Tudo começou em 10 de Setembro de 1965. Num drama que durou quase 120 dias, os estudantes da graduação, incitados por uma carta anônima, iniciaram um movimento e uma longa e conturbada batalha contra a reitoria, reivindicando o direito à livre manifestação de idéias e ao direito de organização (uma típica universidade norte-americana chega a ter mais de 100 organizações estudantis, de cunho político, religioso, étnico, cultural, profissional, de orientação sexual, etc.). O movimento ficou conhecido como “Free Speech Movement”. Sua importância pode ser atestada não somente pela homenagem no nome do café da Biblioteca mais freqüentada do campus, mas também pela doação feita por um ex-funcionário, no valor de $3,5 milhões de dólares, usados especificamente para resgatar a memória e os documentos referentes àqueles históricos 4 meses (a criação do café também foi fruto de parte da doação milionária).

Depois veio a década de 1970 e a inesquecível (em todos os sentidos) Guerra do Vietnã. Lembro-me de um dos melhores professores que tive em Wisconsin, que fez PhD aqui em Berkeley naquela época. Em uma de suas aulas ele contou, com brilho nos olhos, como foram aqueles dias de protestos estudantis. Hoje, caminhando pela passarela na frente da Sather Gate, vendo os alunos conversando animadamente, consigo imaginar-me voltando no tempo e presenciando os estudantes de cabelo comprido, cara meio hippie-meio intelectual (tipo John Lennon), usando as camisetas tingidas de tinta colorida e clamando contra a guerra.

Muitos céticos reclamam que os bons tempos já se foram. “Não se fazem mais alunos conscientizados como antigamente”, dizem os saudosistas ranzinzas. Pois eu não concordo. Em menos de 4 meses, além de presenciar a rotina dos membros das associações estudantis que, incansavelmente, todos os dias, montavam suas mesinhas na passarela à frente da Sather Gate para divulgar suas atividades e atrair novos membros (fazendo bom uso do direito conquistado a duras penas por seus velhos colegas do Free Speech Movement), presenciei pelo menos uma manifestação por semana para chamar atenção de assuntos diversos: lembrança do massacre dos armênios na Turquia, protesto demandando um novo Estado Palestino, protesto contra as tropas americanas no Iraque, protesto a favor das mulheres israelenses, etc. Tudo é possível e tudo é respeitado num exercício admirável de democracia.

(Estudantes lembrando o massacre dos armênios na Turquia no começo do século 20).


(Dias depois, no mesmo lugar, haveria uma manifestação a favor dos palestinos...)

Obviamente, Berkeley reflete o liberalismo extremado da Califórnia litorânea (sobre o qual falarei no próximo texto) e tem seu viés absolutamente liberal. Entende-se por liberal, toda ideologia a favor dos fracos e oprimidos, e você pode definir “fracos” e “oprimidos” como preferir: os massacrados pela super-potência mundial ou regional, os homossexuais que são perseguidos pela grande maioria homofóbica, ou os animais indefesos que são maltratados pelos seres humanos cruéis. No começo do ano letivo de 2008/9 (em Setembro do ano passado), a universidade criou uma campanha para comemorar os 140 anos de fundação. Para isso, montou um enorme painel com bonitas fotos de alunos e funcionários, cada um expressando uma frase de gratidão para a universidade. Dias depois, passando por ele, reparei em algo estranho numa das fotos. A mensagem não parecia ser do aluno fotografado:

(Passando novamente por lá algum tempo depois, a mensagem-protesto tinha sumido. Uma grossa camada de tinta branca podia ser vista no lugar. Faltava apenas algumas semanas para a época de formaturas e visitação das famílias ao campus...)

Fiquei sabendo – e vi fotos – que no dia em que ficou confirmada a eleição de Barack Obama como o novo presidente dos EUA houve uma mega-festa, que entrou madrugada adentro, na famosa passarela da Sather Gate e que se estendeu à Telegraph Avenue (mais importante avenida comercial nos arredores do campus). Sabe o Brasil quando vence a Copa do Mundo? Pois é, igualzinho. (Ou seja, a utilidade de um novo presidente para os alunos americanos de Berkeley = a utilidade de uma taça para os cidadãos brasileiros).

Mas o espírito rebelde não fica limitado aos limites geográficos do campus. Outro incidente ocorreu nos fins da década de 1960 quando a prefeitura expulsou um grupo de hippies e “desocupados” ao derrubar o prédio que os abrigava, com a justificativa de que seria terreno da universidade. Percebendo-se a mentira pública, os protestos começaram e contaram com outros simpatizantes. O fim foi trágico, com a morte de um manifestante e a cegueira de outro, causados pela polícia local, apoiada pelo governador da época, o republicano Ronald Reagan. Hoje, no local da batalha ergue-se um parque chamado “The People’s Park” em homenagem aquele mês em que o povo uniu-se contra a força e violência do Estado. Fui para lá num ensolarado domingo e o parque estava repleto de velhos hippies (e indisfarçável cheiro de maconha). No simples palco montado, um velho de cabelos compridos discursava contra a exploração desumana dos empregadores contra seus empregados que não têm alternativas de melhores empregos.


Os berkeleyanos têm muito orgulho deste espírito rebelde e liberal, e deixam explícito para qualquer pessoa que entra na cidade. A divisa entre Oakland e Berkeley não é marcada, como acontece em qualquer cidade normal nos EUA, por uma placa do tipo “Cidade de Berkeley, População: XXX mil”. O que se vê quando se cruza a fronteira é isso:


Eu não sei ao certo quem colocou a placa ali, e no começo fiquei me perguntando se eu não estava deixando de entender algo mais “complexo” por trás desta simples mensagem (Nuclear Free Zone). Mas depois ouvi gente mais conservadora tirando sarro da placa. Ela quer dizer exatamente o que se lê...

Semana que vem atravessaremos a baía para conhecer o espírito liberal de San Francisco, mais conhecido e mais escandaloso...

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Como se pode viver uma vida sem arte?

Passei o aniversário deste ano fazendo uma peregrinação: 6,5 km na ida e 6,5 km na volta, 4 horas de caminhada pelas ruas não planas de San Francisco, somente para poder ficar 30 minutos de frente ao Palace of Fine Arts. Como o guia impresso explica, este é um monumento em estilo grego, remanescente de uma exposição de 1915. “Aos olhos de hoje, é uma triste e sentimental peça com colunata decorada com figuras chorando que representam a melancolia da vida sem a arte”.





Para mim, o Palace of Fine Arts não tem nada de triste. É uma coisa maravilhosa, num lugar maravilhoso, e, apesar das figuras femininas debruçadas chorando, isso é apenas um lembrete para a importância da arte, que os californianos não se esqueceram nem um pouco.

Não vou falar hoje sobre os museus de San Francisco que, como os de qualquer grande cidade americana (e não só Nova Iorque...), seriam uma comparação covarde aos nossos pobres MASPs.

Vou falar hoje sobre os dois fins de semana de “Open Studio” de Berkeley e Oakland. O que são os open studios? Como o próprio nome indica, os artistas da região abrem as portas de seus estúdios – ou ateliês – para mostrar seus mais belos trabalhos ao público e, claro, aproveitam para vender. O público especializado já freqüenta estes estúdios ao longo do ano, mas o público leigo não. E, como tudo neste país, a organização é extrema. Nas semanas anteriores há forte divulgação do evento nos canais de comunicação. Há uma revista que é impressa aos milhões (eu devo ter visto mais de 1000 exemplares espalhados pela cidade), e dentro dela há a apresentação de cada artista, o seu tipo de arte, e seis mapas destas duas minúsculas cidades indicando o local exato de cada estúdio. Isso não seria nada se houvesse uma meia dúzia de artistas. Bem, Berkeley e Oakland, as duas mais importantes cidades da East Bay, devem ter juntas por volta de 500 mil habitantes. E quantos artistas participaram do evento? Nada menos do que QUATROCENTOS E VINTE!!! (Será que conseguiríamos juntar quatrocentos e vinte artistas para expor seus trabalhos em toda a cidade de São Paulo?)

Quatrocentos e vinte aristas apresentando trabalhos em fotografia, artes plásticas, esculturas, cerâmica, vidro, jóias, etc. – e, dentro de cada categoria, as mais inimagináveis variações possíveis (inimaginável principalmente para nós, de um país sem tradição artística). Em artes plásticas, estão incluídas tanto a artista de telas “clássicas”que acabou de se mudar para cá de Chicago, quanto a amiga da Trish que faz arte, ou melhor Arte (e que Arte!) em quadrinhos. Seus trabalhos incluem desenhos cômicos da vida de uma artista, e também dramáticos quadrinhos em preto e branco sobre a fuga de 5 judeus da Alemanha nazista (nome e sobrenome verídicos dos personagens inclusos). Ainda em artes plásticas, há ainda o que eu chamo de “arte doméstica”. Trish adorou os lenços de seda pintados com águas vivas. Deste estúdio eu preferi os mesmos lenços, mas com variações abstratas em verde e azul. Tem ainda o artista descendente de mexicanos, que faz desenhos com uma técnica que eu absolutamente desconheço (e eu leio sobre arte!), mas que me pareceu usar nanquim e tintas coloridas. Suas gravuras são de traços finíssimos, coloridos com sombras escuras, numa combinação de virgens marias e dragões que remetem a alguma curiosa cultura exótica. Olhando a criatividade, o trabalho meticuloso dele, eu cheguei a uma conclusão: Eu sempre detestei arte contemporânea, achando-a uma desculpa para os “artistas” serem preguiçosos ao ponto de pintarem uma tela inteira com tinta de uma cor só, e chamá-la de “Sem Título”. A grande verdade é que, não é a Arte Contemporânea que é ruim. Ruins são todos os “artistas” que conheci até hoje. Certamente o que Pete Villaseñor faz é Arte Contemporânea, e certamente é lindo.
As manifestações de criatividade não param por aí. Um dos ateliês era de um senhor de meia-idade, que durante a semana certamente trabalha num banco ou num escritório de advocacia. Todos os seus trabalhos eram baseados em livros: estantes construídas a partir de livros, prateleiras construídas a partir de livros (para que livros de verdade fiquem empilhados em cima de falsos livros), mesas, sofás, etc. No chão do estúdio havia uma ratoeira de verdade e ... um “mouse” – de computador – preso nela. Que impulso de criatividade!!! Ainda ali, aqueles quadros de madeira com gancho para se prender chaves. Mas os dele eram todos combinados com títulos de livros conhecidos. Um deles era algo como “O Misterioso Sumiço das Coisas”. Quase comprei para minha irmã que vive perdendo suas chaves.
Foi neste fim de semana que descobri meu amor por cerâmica. Quando falamos em cerâmica no Brasil, pensamos em objetos de barro, primitivas, rudimentares (tem gente que também gosta deste tipo de cerâmica, o que eu respeito). Nada disso aqui. Objetos funcionais e belíssimos, coloridos, brilhantes, com formatos não descritíveis por palavras. Como é possível usar um prato em cujo centro encontra-se uma figura abstrata, numa combinação perfeita de cores e com bordas meticulosamente furadas? E tigelas, e canecos, e saleiros .... todos em cores lindíssimas (verde e preto, vermelho e preto, amarelo e laranja, azuis, degradês em todas as tonalidades, etc, etc, etc). E claro, os bules (há artistas que SOMENTE produzem bules). Mas são nos vasos e jarros que os artistas sentem-se mais livres para expressar seus sentimentos.
Finalmente, meu segundo amor, joalheria artística. Artistas que conseguem emaranhar, de forma bela, fios de prata e de ouro, combinando com pedras de cores raramente vistas. Pingentes que parecem finíssimos tecidos de ouro, com figuras também de ouro incrustadas por cima. Peças de nenhuma Vivara chega aos pés daquilo que vi. E a fantástica artista que perguntou: “- Por que o brinco de um par tem que ser idêntico ao outro?” Com o inteligente (e criativo) emprego da geometria, das formas das pedras e das cores, ela foi capaz de criar brincos absolutamente únicos – de um lado e do outro – mas que ninguém teria a menor dificuldade em encontrar seu par. Aquilo foi uma prova importante para mim de como vivemos numa sociedade de convenções que não fazem sentido.

Obviamente não visitamos todos os quatrocentos e vinte estúdios. Nem mesmo 10% deles. Mas já foi o suficiente para eu querer desesperadamente ser rica e poder comprar todos os objetos de arte que acho belos. (Só não comprei as cerâmicas pois não sei como levar na mala de volta para o Brasil). Os mais céticos diriam: “Ah, mas este tipo de evento é criado para fins comerciais!” É lógico que é! E quer saber? Eu não estou nem aí! E quem me dera se no Brasil houvesse mais mentes para ajudar os artistas a pensar e organizar Arte para fins comerciais! Aí, os artistas de verdade poderiam se sentir absolutamente livres de pressão, de preocupação, e de medos. Só assim, a Arte flui, e só assim é que é possível alcançar os limites da possibilidade criativa. Aí a criatividade (que o brasileiro adora dizer que tem de sobra) poderia se manifestar para fins puramente estéticos. Porque a Vida PRECISA de Beleza. E uma Vida sem Arte é absolutamente melancólica, como bem nos lembram as figuras do Palace of Fine Arts.

domingo, 24 de maio de 2009

Semana de "finals" no campus

É semana de provas finais. Não somente os estudantes, mas a cidade inteira começa a ficar com um clima tenso. Cafés e bibliotecas anunciam horários estendidos especiais, muitas destas passando a funcionar 24 horas para acomodar os freqüentadores que só aparecem nesta época do semestre. Alguns prédios adjacentes ao campus, pertencentes a organizações de estudantes e associações culturais ou religiosas – por exemplo, a associação de cultura judaica do campus – também abrem suas portas a alunos não associados, disponibilizando seus espaços para estudo até altas horas da noite. É uma forma de ganhar simpatia e visibilidade, numa universidade tão cheia de atividades, onde diariamente acontece, na praça central do campus, uma feira de eventos das associações, e onde os representantes das entidades disputam público interessado literalmente pelo gogó (tal qual as feiras de verduras e frutas no Brasil) ou através de alto-falantes, música e dança (pagação de mico...). Mas na semana de provas finais, até mesmo a feira deixa de existir. Todos, inclusive os representantes das associações, estão estudando em algum lugar.

Na International House, toda uma estrutura é montada para esta semana. Esta é a única época em que a regra de não aceitar alunos não-residentes é efetivamente checada na relativa pequena biblioteca. Por uma semana e meia, a regra do silêncio absoluto, 24 horas por dia passa a vigorar. Como muitas das regras existem só para ficar bonito no papel, ou para proteger os criadores contra eventuais processos judiciais que aleguem negligência (descobri que não é só no Brasil que muitas regras são criadas para serem consistentemente desrespeitadas...), a coordenação do IHouse quis explicitar que esta regra do silêncio absoluto vale de verdade. Fácil: 250 dólares de multa para os infratores, e os cartazes com a regra estão espalhados por todos os corredores dos 6 andares residenciais do prédio. Mas não é só de “cargas negativas” que é feita a semana de finals na IHouse. Das 21h às 4 da manhã, o restaurante com suas enormes mesas fica disponibilizado para aqueles que não encontrarem mesas suficientes na biblioteca (a janta termina às 20h, e o café da manhã começa às 7h15). Mais fofo ainda – eu achei – é a preocupação com a falta de açúcar dos alunos. Em todos os jantares, além da tradicional sobremesa – gelatinas, picolés e sorvetes – fica disponibilizado na saída do restaurante uma cesta cheia de Oreos (versão americana do Negresco) e outros doces diversos. Além disso, dado o cedíssimo horário em que se janta por aqui (18h é o horário padrão do jantar americano), todas as noites, das 23h à meia-noite, no grande salão do International House, é montada uma mesa cheia de frutas, “snacks” (salgados e doces) e bebidas, para o intervalo dos estudos da noite, ou para não ir dormir de estômago vazio e cérebro hipoglicêmico.

Todas estas medidas – das bibliotecas, dos cafés, das associações de estudantes, da IHouse e outros dormitórios do campus – só atestam uma coisa: a importância que todos dão para os estudos, para a dedicação às provas. Toda a sociedade nesta época disponibiliza tudo o que estiver ao seu alcance – pelo menos por uma semana no semestre – para que os alunos possam se dedicar integralmente. A responsabilidade para os estudos passa a ser uma tarefa de todos, mesmo aqueles minimamente relacionados às atividades acadêmicas (os funcionários dos restaurantes e dos cafés, por exemplo).

Mas talvez, por isso mesmo, alguns tendem ao exagero. Na quinta-feira véspera da semana de provas, e véspera de minha saída do IHouse, decidi passar a manhã no café, trabalhando de frente para a grande janela que dá para a rua (e de onde tirei a foto que está no blog sobre o café do IHouse). De repente, dois grandes caminhões do corpo de bombeiros, com as estridentes sirenes ligadas, estacionam na frente do prédio. O caminhão menor era na verdade uma ambulância (as ambulâncias daqui pertencem ao corpo de bombeiros). Dela saíram quatro paramédicos puxando uma maca, cada um por uma de suas extremidades. Pelo andar calmo e quase que descontraído, deduzi que não deveria se tratar de alguém que tenha dado um tiro no meio da testa ou cortado os pulsos, por ter ido mal nas provas. Os americanos são muito discretos, e pareceu-me que no café, só eu fiquei acompanhando, curiosíssima, a entrada dos paramédicos e da maca na IHouse. Dali a uns 20 minutos, os paramédicos saem do prédio puxando a maca, mas ... agora ela estava ocupada. Uma aluna asiática (ooooohhhh, que novidade!!!) com a cara pálida e quase que de choro, estava deitada nela. O grupo passa bem em frente da grande vidraça do café e fizeram o ziguezague da rampa. Agora, nem mesmo o mais falso apático americano poderia deixar de reparar: todos dentro do café levantam a cabeça, olhando a cena. Quando passaram bem na frente da minha mesa, reparei que a menina deitada na maca segurava duas folhas de papel. Fiquei me perguntando se era o resumo para a prova que ela não quis soltar de jeito nenhum, ou se eram papéis dados pelos paramédicos. Mas tive que dormir com a curiosidade, pois não consegui ver o que estava escrito neles... Assim que a maca com a menina foi colocada dentro da ambulância, um aluno americano não agüentou e falou alto para todos: “- Ela deve ter passado os últimos oito dias só estudando para as provas finais, sem comer nem dormir...” E deu uma risadinha de sarcasmo... Coitada! Há muitas coisas que ela ainda vai ter que aprender na vida acadêmica, pensei. Hoje mesmo, ela deve ter tido uma grande lição. Ou não.

Nos últimos dias da semana, já se viam alunos com lindas becas pretas, acompanhados de famílias vestidas elegantemente, flores nas mãos, caminhando em direção ao Teatro Grego, onde são realizadas as formaturas da UC Berkeley. A felicidade e o ar de superioridade pela missão cumprida estão explicitamente estampados em todas as caras, sem exceção. E não há viv’alma que os veja e que não concorde que eles têm direito a isso. Podem estar vestidos com as becas mais simples e os chapeuzinhos quadradinhos da graduação, ou as becas um pouco maiores e mais complexas do mestrado, ou as pesadas becas com as inconfundíveis três faixas de veludo preto nas mangas do doutorado, todos foram bem-sucedidos numa longa e árdua jornada. Eu confesso, do mais fundo do meu coração, que uma das maiores frustrações que terei nesta vida será não poder ter uma formatura de pós-graduação, e não ter a chance de vestir uma beca com aquele capuzinho colorido de Harry Potter atrás, e aquela boininha em formato de almofada de gato na cabeça. Não teria o menor problema de me sentir maravilhosamente ridícula por um dia...

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Bibliotecas...ah as bibliotecas! (parte 2)

O que dizer sobre a Law Library? Ela é o meu principal local de trabalho, meu lar (muito mais do que a IHouse, que fica do outro lado da rua), uma parte de meu ser aqui em Berkeley... Apaixonei-me no mesmo instante em que a vi, logo no primeiro ou segundo dia nestas terras. É como se o arquiteto tivesse feito o projeto atendendo fielmente aos meus desejos mais íntimos: ampla, pé direito alto, paredes revestidas de madeira clara, grandes janelões de um lado, belas coleções de livros de capa dura e letras douradas impecavelmente ordenadas, mesas de estudo enormes, sofás de veludo cinza escuro, e muito, muito iluminada. Sendo uma pessoa avessa a rotinas, ela conseguiu fazer-me vir para cá de segunda a segunda, com raríssimas exceções, desde a primeira semana de Fevereiro. Eu descobri uma rádio na internet onde só se tocam músicas de piano solo, extremamente suaves. Estar naquele ambiente da Law Library, no silêncio absoluto que as pessoas conseguem fazer ali, com os fones de ouvido emitindo as músicas de piano, enquanto eu estudo algo pelo qual tenho paixão, é uma das formas mais próximas de se materializar o Paraíso que já consegui.



Nesta biblioteca existe uma famosa coleção de livros sobre direito romano e direito canônico (o direito da Igreja Católica): a Robbins Collection. Fica numa sala especial, com mesas especiais, já que existem raríssimos exemplares datando do século 17, muitos deles em latim. Para melhor desenvolver o argumento em uma passagem de minha tese, enfurnei-me naquela sala por 2 semanas seguidas. A bibliotecária especialista já me conhecia; faltou ela me oferecer a chave da sala pra não ter que ficar tocando a campainha toda hora pra entrar... A única coisa não muito boa da Law Library é na hora em que tenho que procurar os livros nas estantes. Eles ficam nos andares de cima, pegando-se os elevadores. As salas do acervo são completamente desertas, frias e, para acender a luz, ligamos tipo um daqueles cronômetros de cozinha marcando os minutos. Findo os minutos pré-marcados, a luz se apaga. Sempre fico morrendo de medo de ir para estes andares e é impossível fazer o que mais gosto com um espírito leve: ler todos os títulos de uma estante, de cima para baixo, da esquerda para a direita. Lembra-me também dos andares da Memorial Library em Wisconsin, da ala sul dela, igualmente fria, deserta e com paredes verdes claras. Mas lá havia espaços exíguos com mesa e estante alugados semestralmente para alunos!!! Eu ficava me perguntando como alguém em sã consciência topava alugar um troço daqueles e ficar o semestre inteiro estudando lá!!!

Se eu pudesse descrever a Morrisson Library com poucos termos eu diria: é a coisa mais fofa que possivelmente existe no campus da UC Berkeley, e eu aposto que pouquíssimos alunos, principalmente de pós-graduação, a conheçam. Lanço o desafio para ver se algum aluno brasileiro já passou uma tarde lá (e olha que cada dia descubro um brasileiro que estudou por aqui...) Explico: uma bela sala de estar em estilo vitoriano, muita cortina, tapete, muitos sofás e poltronas deliciosas, lustres e abajures antigos bonitos, estantes e paredes também de madeira, mas de estilo clássico e não moderno como na Law, paredes repletas de livros, mas... se olhar de perto vai logo perceber a diferença: são todos romances, livros de artes, decoração, fotografia, história e também há muitos CDs e áudio-livros. Explicando mais: é proibido entrar com laptops e câmeras fotográficas por aqui. Explico finalmente: esta é uma biblioteca explicitamente dedicada à leitura de lazer, às horas vagas. Claro que se você quiser, pode trazer seu livro de bioquímica para ler aqui, ou pode escrever o seu paper sobre a sociologia dos moradores de rua nas grandes capitais modernas (a mão, sem laptop...), mas parece-me, numa rápida sondada, que poucos aqui têm este tipo de interesse... É neste local que se reúne a associação de poetas da cidade em seus encontros anuais. E foi aqui que passei três horas revirando dois livros de fotografia da cidade de Berkeley, conhecendo um pouco mais sobre esta cidade que está sendo meu lar nestes meses. Saí de lá com uma lista de “lugares para visitar”. Tenho cumprido gradualmente esta lista... (Não preciso dizer que Morrisson foi outro homem iluminado – um advogado neste caso – que deixou fortuna e livros para a universidade).


(Foto encontrada na web, já que reles mortais não podem entrar com câmeras lá dentro...)

Não dá para nem ao menos mencionar todas as outras bibliotecas que freqüentei no campus, tenho constantemente descoberto outras, de forma propositada. Talvez outra que mereça menção é um lindo, recém inaugurado (2008), em estilo muito moderno: a East Asian Library (meio contraditório o estilo do prédio com a cultura ali representada). Ao pisar nela, ninguém pode dizer que está numa universidade americana: quatro grandes andares de livros completamente escritos em chinês, japonês, coreano e afins, pinturas nas paredes também todos asiáticos, até mesmo o bibliotecário. Também estão disponíveis aos interessados bancos de dados inteiros com estatísticas destes países e de outros da região. Só digo uma coisa: é impressionante. Também é delicioso estudar no meio de modernas lanternas pseudo-orientais, perto dos grandes janelões de vidro olhando para o verde lá fora. Difícil é disputar os melhores lugares com os alunos orientais, que já estão todos ocupados 15 minutos depois da abertura da biblioteca na tarde de domingo...



Escrevendo este blog, descobri no site da universidade uma página entitulada “Secret Sites for Study”. A semana de finals está aí. Os alunos americanos, assim como os brasileiros (acho que do mundo todo), deixam para estudar tudo de última hora. Mesmo com as 27 bibliotecas e os quase 50 cafés, pode ser difícil encontrar lugares disponíveis para se estudar confortavelmente. Algum funcionário se deu ao bom trabalho de relatar quais são as bibliotecas – e os cafés!!! – menos lotados. Percebo nesta lista lugares que não entram na lista oficial de bibliotecas. Meus olhos brilham: mais lugares para conhecer! Estou louca para conhecer a biblioteca da Filosofia. Parece outra sala em estilo clássico, com ares de biblioteca das mansões onde ocorrem os assassinatos de Agatha Christie (foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça ao entrar na Morrisson).

Prevendo já a semana de finals, eu tinha anotado na agenda: sair do campus, ir para as bibliotecas públicas. E isso quase merece um capítulo a parte. Já conheço a sua fama, da primeira vez que vim para os EUA. Não basta dizer que elas, por algum motivo, são todas modernas, com móveis bonitos, bem iluminados, bem arquitetados (normalmente com mais de um andar). Não basta dizer que em todas elas há seção de revistas, CDs e livros infantis (sempre a seção mais bem estruturada), e que você pode pegar emprestado tudo de graça. Não basta dizer que as famílias passam sábados inteiros com seus filhos aqui. Além de tudo, é preciso dizer que, não é que exista uma belíssima biblioteca em todas as cidades americanas, por menor que a cidade seja. Existe uma belíssima biblioteca em CADA BAIRRO de uma cidade, por menor que ela seja. Veja bem, Berkeley tem uma área de 27,2 km2, ou seja, menor do que Pinheiros, Itaim e Jardim Paulista juntos. Entretanto, nela existem SETE bibliotecas públicas, sem contar com as 27+ que existem dentro da universidade... E isso não acontece somente porque estamos numa cidade de reconhecimento acadêmico mundial, ou no mais rico estado do país. Minha prima mora no meio do Midwest, numa cidade chamada Minnetonka. Alguém já ouviu falar dela? Nem eu, até alguns anos atrás. Mas hoje eu já conheço 3 bibliotecas públicas lá, sendo que devo ter passado uns 20 dias no total naquela cidadela. A primeira pergunta que me passou pela cabeça quando conheci as bibliotecas públicas de Minnetonka, vendo aquela beleza, aquela organização, ar-condicionado, móveis, etc. foi: “Como existe dinheiro público para tudo isso?” Demorou um pouco para eu encontrar a resposta. E no dia em que alguém a encontra, também vai saber responder àquela outra pergunta, que fiz no começo da primeira parte deste texto: por que os EUA são o país mais desenvolvido do mundo, enquanto o Brasil ainda tem que fazer muito esforço para provar que é um país de respeito. Alguém se arrisca? (Qual prefeito ou governador brasileiro ousaria anunciar publicamente que vai gastar milhões de reais para reformar as bibliotecas públicas de sua região?)

terça-feira, 5 de maio de 2009

Bibliotecas...ah as bibliotecas! (parte 1)

Sem pudores, eu confesso com toda a franqueza do meu coração, que a primeira coisa que eu pensei quando cogitei em passar um ano fazendo “sanduíche” nos EUA não foi trabalhar com o professor fulano de tal, morar na cidade fantástica X, estudar no departamento Y, foi: “-Ó Meu Deus, ter as bibliotecas denovo!!!” Se me pedissem para indicar uma única diferença entre os EUA e o Brasil que explique porquê o primeiro seja conhecido como o país mais desenvolvido do mundo, e o segundo ainda tenha que fazer muito esforço para provar que é um país de respeito, eu não teria a menor hesitação em responder: as bibliotecas! Porque por trás de como as bibliotecas são, está toda a concepção de um povo, os valores da sua cultura, a forma explícita como a nação olha para seu passado, seu presente e seu futuro, e quais são as prioridades inquestionáveis. Quero deixar claro que as bibliotecas não se resumem às bibliotecas escolares – e aí, mais uma diferença entre os dois países. No próximo blog espero poder contar um pouco também sobre as bibliotecas comunitárias.

Como disse, antes mesmo de vir para cá, eu já estava excitada o suficiente com a perspectiva de poder passar todo o tempo do mundo nas bibliotecas. Na minha cabeça, estavam as lembranças das bibliotecas de Wisconsin, extremamente funcionais. Lembro-me da Memorial Library, a principal da universidade, com mais de 13 andares e corredores repletos de livros e que ficava nada menos do que 24 horas aberta durante todo o ano letivo, fechada apenas durante o Thanksgiving e no dia 1o de Janeiro. A outra que eu costumava freqüentar era a College Library, que tinha um expediente mais “curto”: das 7h45 da manhã até as 1h45, também da manhã (nunca vou me esquecer deste horário, apesar de nunca ter entendido os 45m). Todas com amplos laboratórios de computadores, super modernos (naquela época os alunos não tinham ainda laptops...) e muito, muito espaço para estudar em paz (os salões de estudo da College tinham janelões mirando para o lago da cidade). Eu sabia que Berkeley não me decepcionaria neste quesito... Pois assim que cheguei, percebi que além de funcionais, as bibliotecas (bem como outros prédios) são arquitetonicamente maravilhosas! Para mim, isso era (é) exatamente estar no paraíso! Para começar, são 27 bibliotecas no campus; um sistema com horários, localizações, mapas, sites e, mais ainda, base de dados eletrônicos tão complexos que honestamente, chega a ser meio assustador.

Obviamente, eu já tinha pensado em escrever um blog sobre as bibliotecas desde a primeira semana que cheguei. A grande culpada pela demora é a Doe Library, a principal da universidade, que abriga a coleção de Ciências Sociais e Humanidades. No primeiro dia em que a vi, eu fiquei de queixo caído, boca aberta, não conseguia parar de olhá-la, achava que estava no meio da Grécia. E eu não estava errada: muito tempo depois, fiquei sabendo que ela foi construída nos moldes do Partenão de Atenas.


Bem, e porque ela me fez demorar para escrever? Porque, olhando de fora, eu já vi que era um lugar gigantesco – isso porque eu não tinha visto os 4 andares por baixo da terra e que a conectam à outra biblioteca do outro lado da praça. Entrei timidamente num dos dias, mas fiquei com medo: eu iria me perder ali dentro com certeza! Para minha sorte, e não contrariando a organização norte-americana, há “tours” todas as semanas pela Doe Library. Por vários motivos, perdi todas elas até finalmente conseguir participar o do dia 30 de Abril. O tour demora nada menos do que uma hora. Logo na entrada, vemos uma escultura em tamanho natural de um dos intelectuais mais simpáticos dos EUA, morador por muito tempo de San Francisco:


(Mark Twain lendo seu próprio livro "Huckleberry Finn")

Resumindo o tour: são 10 milhões de livros (não parece, mas é muita coisa!), quatro andares, cada um com mais de 150 x 20 metros só de estantes de livros, algumas daquelas compactas, que se aperta um botão para que uma estante se afaste da outra (ocupam metade do espaço e, assim, cabem mais estantes num mesmo espaço). A Business Library de Wisconsin também tinha este sistema, e quando eu ia pegar livros ficava torcendo para que eles estivessem numa estante destas para que eu tivesse que apertar o botãozinho... Fora a dimensão da biblioteca, e o fato da inteligência da construção que soube aproveitar a luz natural e complementar com luz artificial de forma que os 4 andares de subsolo são iluminadíssimos, o que me deixou sem fôlego, controlando-me para não chorar de tão lindo, foi no segundo em que eu pisei nas salas de estudo da Doe, se é que aquilo podem ser chamados de “salas”:






(Os alunos não tinham acesso aos livros, faziam seus pedidos e aguardavam serem chamados pela "senha" no painel luminoso para pegarem o livro no balcão. Lembrou-me dos fast-foods das praças de alimentação dos shoppings no Brasil...)

Doe foi um “discreto” comerciante de San Francisco (diferentemente de Haas, o magnata que deu nome a várias coisas, inclusive à Business School). Quando ele morreu deixou simplesmente ¼ de toda a sua fortuna para a biblioteca. O prédio foi construído depois de uma competição, em que ganhou o projeto de Joan Galean Howard, que por sinal, construiu todos os outros prédios maravilhosos do campus. E, segundo um dos mais famosos presidentes da história da universidade, Benjamin Wheeler, o objetivo era ter uma “Atenas do Oeste” em Berkeley. Por isso, o Partenão, e por isso o busto de Atenas bem na entrada principal.


(O espírito de uma universidade!)


(Atena recepcionando todos que chegam ao seu "templo")

Mas Doe é apenas uma das 27 bibliotecas do campus, apesar de ser a maior. E eu certamente, com o objetivo bem claramente estipulado desde o início, não iria deixar de ir à procura de outras. Deixo a descrição das outras, inclusive das minhas duas favoritas, para o próximo blog.


Numa rara foto povoada, eu e Ben, este, cidadão Berkeleyano com orgulho, tirada pela Sra. Ben, minha irmã, Bruxa.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Morando num dorm (2)

O lugar pelo qual passo todos os dias, literalmente, para “bater o cartão” é o refeitório. O cartão em questão é o magnético que conta o número de refeições já usufruídas. Depois de ouvir muito, muito, muito falar mal da comida do refeitório – basicamente por alunos brasileiros que já passaram por aqui, ou aqueles que nunca passaram mas “ouviram falar” – a decepção acabou sendo muito menor. Tem dias em que realmente está insuportável e saio de lá depois de somente tomar um refrigerante e/ou um café com leite. Mas talvez minha ascendência chinesa faz-me aceitar alguns pratos que os brasileiros tipicamente não gostam: peixes cozido no vapor sem sal (meu prato favorito depois de se adicionar shoyu por cima), canja, verduras sem gosto. Sem contar com o buffet de salada (lembro-me de quando em Madison cada pé de alface custava 3 a 4 dólares e eu tinha que ficar com vontade de comer hortaliças, dada minha pobre condição de estudante...), pães de forma de todos os tipos, sucos, chás, café, refris e etc, sempre presentes nas 3 refeições do dia.

A promoção da multi-etnicidade e multi-culturalismo é obsessão do International House. Chega a ser irritante de tanto que se chove no molhado (ou talvez seja porque ainda não esteja tão molhado para algumas pessoas assim...) Hoje, no dia em que escrevo este blog, está tendo o Spring Festival, um dia inteirinho de apresentações de culturas o mais diversas possível, com coisas que jamais poderíamos chegar perto de imaginar no Brasil. Mas uma das coisas interessantes são as noites étnicas no refeitório: jantar do ano novo persa, ceia (=jantar) da páscoa judaica, almoço irlandês no St. Patrick’s Day, almoço de Mardi-Gras (e este é o momento que os brasileiros devem sentir-se “homenageados”...), etc. Além de pratos das culturas em questão, também pode acontecer de ter decorações específicas, apresentações musicais e de dança. Mesmo comendo muito sozinha, não pude deixar de curtir bastante, por exemplo, a noite do ano novo persa em que houve apresentação de dança do ventre:




Comer no refeitório tornou-se uma atividade prazeirosa depois que o tempo começou a esquentar. O maravilhoso pátio interno do IHouse e suas mesas circulares foram abertas aos comensais. E não posso dizer que não exista uma sensação de alegria quando nos domingos de sol eu sento-me numa das mesas para tomar meu brunch...



Outro lugar de muita freqüência, é a biblioteca, ou melhor, a sala de estudos, apesar de eu tê-la traído por outras mais atraentes no campus (Law, East Asian, Haas, etc, sobre as quais falarei no próximo blog). A vantagem deste é que fica aberto 24 horas por dia. E, passando por lá seja às 7 da manhã, seja ao meio dia, seja às 4 da tarde, às 10 da noite, às 2 da manhã, eu sei que terei companhia, principalmente dos jovenzinhos asiáticos, se for nos horários extremos da lista acima (eu já fiquei lá em todos estes horários, não são exemplos hipotéticos!)

O único lugar que chamou a atenção da Trish quando veio me deixar, é o chamado Great Hall:


O pé direito alto, as paredes cobertas com belíssimos tapetes persas, os lustres imitando candelabros, o teto decorado, os suportes de vigas em formato de cabeças de bodes (???), e os confortáveis sofás fazem com que seja meu lugar predito para tomar o sorvete-sobremesa-do-jantar de todas as noites (mais uma coisa boa do refeitório!). Pena que, assim como todos, todos, todos os cômodos da International House, tenha as insuportáveis e horrendas paredes beges...


(Teto do Great Hall)


(Suporte de vigas com cabeças de bodes)


Entre pequenas alegrias, pequenos dissabores e algumas grandes irritações, foi uma experiência e tanto, e certamente única, na minha vida ter morado num lugar como este. Dormitório, centro de convenções da universidade (quase tudo acontece aqui, pois além do lugares descritos, ainda tem um monte de salas sociais e um velho auditório), ONU (como eles querem ser oficialmente reconhecidos), escritório de assuntos dos alunos e visitantes estrangeiros, promotor de eventos de “inserção cultural dos alunos estrangeiros”, etc. (até missa católica aconteceu aqui na quarta-feira de cinzas) este lugar tem de tudo um pouco. Um dia sei que vou rir olhando para trás para este tempo em que passei no meu horrendo quartinho rodeado por barulheira de estridentes estudantes. Como já estou rindo... Faltando exatas 4 semanas para minha mudança para um pacatíssimo bairro de casas de famílias norte-americanas, onde terei uma casinha-kitnete, tudo parece se tornar mais bonito e suportável por aqui...

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Morando num dorm (1)

29 de Janeiro de 2009, meio-dia. Jamais vou me esquecer deste dia e desta hora. Peter e Trish tinham acabado de me buscar no aeroporto de San Francisco e chegávamos à recepção do International House, bem no campus da UC Berkeley.



A gerente recepcionou-me muito simpática, com a simpatia americana, mas foi o aluno quem me deu as orientações. Tendo passado por estas terras antes, já sabia que trabalho não qualificado numa cidade universitária somente é exercido por negros, latinos e alunos querendo ganhar uma graninha extra. Aqui na Califórnia ainda tem os cantoneses. A orientação do aluno foi longa, não me preocupei em captar nada, sabia que no dia-a-dia iria aprender e que as informações mais importante não foram dadas (dito e feito...). Só prestei atenção à informação de que a chave em forma de coração era do meu quarto, e a de forma de diamante era de todos os banheiros femininos do prédio que, “por questões de segurança”, tinham tranca (homem não é atacado por tarados nos banheiros?). Eu e Trish empurramos a pesada mala até o elevador, chegamos no 3o andar, e deparamo-nos por corredores infindáveis de um e de outro lado. Caminhamos, caminhamos, caminhamos o que parecia um trajeto sem fim, olhando diversas placas indicando a direção desejada. Finalmente, depois do que vim a saber serem 180 passos, deparamo-nos com o número 328 (os quartos NÃO seguem a seqüência dos números!) Abro a porta e... meu coração quase cai ao chão. Um pequeno quarto, escuro a ponto de precisar de luz naquela hora do dia, móveis de madeira “sem graça” destacando a sua vaziez, paredes cor de creme (eu DETESTO paredes cor de creme!!!!), e o chão de uma insuportável nudez de um granito artificialmente marrom claro/laranja. Pelo Feng Shui chinês eu diria que ele não conserva a energia. No bom e simples português, ele simplesmente é frio! Não tive muito tempo para delongas. Acompanhei Trish de volta para seu carro e passei o resto do dia desfazendo mala e recuperando-me do cansaço dos últimos dias de viagem e de agito por conta do casamento da minha irmã. No dia seguinte, comecei a fazer a listinha de compras: tapete, quadros para a parede, flores, almofadas,... Peraí!!! Este lugar NÃO É a minha casa, eu vou ficar aqui por apenas alguns meses e eu não vou gastar o dinheirinho contado para a decoração deste lugar! Pensando nisso, mas sabendo que eu não suportaria ficar num ambiente feio comecei a improvisar. Em cima da cama (de solteiro) estava algo que na lista aparecia como “protetor de colchão”. É um simples feltro branco; ótimo, perfeito como o novo tapete do quarto. O calendário de flores que trouxe do Brasil ficará em cima da mesa e substituirá as flores de verdade. Folhas dos meses que já se passaram serão os novos “quadros” das paredes. Com o passar do tempo, também fui colando folhas de papel com mensagens de auto-incentivo: “Objetivos até o fim do semestre”, “Por que estou aqui?”, “Sendo feliz sozinha” e coisas do tipo. Depois de comprar minha impressora, as coisas ficaram melhores ainda: papel impresso com tintas coloridas, letras de caligrafia e também, algo que eu tinha resistido inicialmente, proclamar aos quatro ventos minha origem brasileira (NAO ME CONFUNDAM com os asiáticos daqui!!!!). Hoje, quem passa pela frente de meu quarto verá a seguinte imagem colada na minha porta*:





Naquele fim de semana, ainda abatida pelo Jet-leg (como já descrito neste blog anteriormente), vou para a cama muito cedo, mas... às 10:30 da noite ouço um barulho infernal da parede do outro lado: musica altíssima, cantoria, meninas berrando... Sim, meu vizinho – whoever that is – estava dando uma festa dentro de seu quarto. A festa durou até por volta da meia-noite... e voltou às duas da manhã!!! Levantei-me e fiz uso do notebook adquirido naquele mesmo dia: escrevi um longo email, furiosíssima para a coordenação do IHouse. Dizia que era uma aluna de doutorado que queria paz e que não era pelo fato de ser fim de semana que eu não tinha direito a sossego; fui cínica dizendo não saber que era permitido ter festas nos quartos. Enfim, nunca fui tão arrogante e chata, mas a vontade na hora era escrever muito mais. Dias depois, recebo uma mensagem da supervisora, pedindo mil desculpas pelo ocorrido, dizendo que meus vizinhos seriam advertidos e deu-me orientações caso ocorresse algo semelhante novamente. No dia seguinte, dois jovenzinhos vieram bater-me na porta. Não, não eram meus vizinhos, mas os monitores do andar. Vieram saber exatamente o que aconteceu e novamente me deram as orientações para caso algo me incomodasse novamente. Infelizmente, a simpatia do “staff” gerou-me mais conforto psicológico por ter sido bem tratada do que utilidade prática. Depois disso, eu infelizmente precisei de outras vezes, por motivos diversos (pelo menos, meu vizinho não deu mais festas, ou melhor, festas grandes), mas o acionamento dos comandos não deu muito resultado. Depois da terceira tentativa eu desisti e cheguei a uma conclusão: estou velha demais para morar num dorm.

(continua na semana que vem)
*Produto importado ao mercado francês, por uma empresa chamada Tropic-Concept: http://www.tropic-concept.com

domingo, 29 de março de 2009

Primavera no campus, cafés nas universidades

É primavera... Depois dos vários dias de chuva, o verde está muito verde. Num campus bucólico como o de Berkeley, isso quer dizer que somos dominados por um verde ofuscante, quase agressivo. Emendando o mundo verde está o céu: azul, azulzísssimo, limpidíssimo. E o sol. O sol que ilumina descontraidamente todos os dias. Como de fato ainda é inverno, e como afinal de contas estamos acima do Trópico de Câncer, este é um sol que não faz mal, que não queima. Ou seja, um sol perfeito. E é Spring Break no campus. Uma semana livre dos “aborrecentes” e principalmente do barulho desnecessário. No campus, só os “velhos”, os nerds confessos, os grad students (= nerds confessos), e a criançada que vem em excursões escolares com os tios e tias (assunto para blog futuro...)

Estou sentada numa das mesinhas externas do Café Strada, um dos cafés mais populares do campus. Os sinos do Carillon Tower estão tocando (uma de suas duas apresentações diárias). Somado a tudo isso, as flores coloridas espalhadas por todos os lugares, e o café gelado delicioso que estou tomando... posso dizer que sinto uma momentânea e inambiciosa sensação de felicidade (com “f” minúsculo, mas mesmo assim, felicidade).

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Os cafés são uma instituição de importância crucial na vida universitária norte-americana. Toda universidade tem, como anexo, um conjunto peculiar e nunca pouco numeroso de cafés. Em Madison, Wisconsin, a principal (e única...) rua, a State Street começa e termina com um café. Na Brown, o café é o local de encontro de associações de estudantes, inclusive a dos brasileiros. A primeira coisa que se vê ao se aproximar do campus de Harvard é a livraria da universidade e o café. Aqui em Berkeley, logicamente, não seria diferente. O programinha que tenho no meu IPhone, o “Around Me”, sugere-me 31 cafés perto de mim, num raio de 1 milha (1,6 km). É claro que tem mais, já sabendo que nenhum dentro da universidade entra na lista. Nestes 2 meses que estou aqui, já escolhi 4 favoritos: o Strada, o Café da International House (também muito popular), o Café Terrace e o “Free Speech Movement Café”. Todos os quatro têm algumas características importantes: localizados dentro do campus, grandes o suficiente para acomodar bastante gente, e, mais importante, com mesas ao céu aberto para dias lindos como hoje.



O Strada tem um amplo espaço aberto e está do lado da Law School, por isso, os advogados o amam. Entrei em contato com um professor de direito de Columbia, e, ao saber que estou em Berkeley, ele só se lembrou de perguntar como andava o Café Strada... Mas outros cientistas também se rendem a ele. Um amigo físico, que faz pos-doc em San Francisco e nunca morou em Berkeley, veio um domingo almoçar comigo. Para manter a minha velha tradição brasileira, convidei-o para tomar um café depois do almoço. Eu disse que tinha um lugar aberto, muito popular bem perto do campus. “- Eu acho que você deve estar falando do Café Strada...” Foi este mesmo amigo que falou que ouviu notícias de que algum tempo atrás, veio uma quadrilha e fez um “arrastão” por aqui, levando o notebook de todas as pessoas. Seria irônico, pois a polícia do campus fica a alguns metros daqui...

O “Free Speech Movement Café” fica na biblioteca dos alunos de graduação, a Moffit. Homenageia o movimento que nasceu em Berkeley em 1960 e se espalhou pelo mundo inteiro. Tem um lindo terraço que dá de frente a um dos meus prédios favoritos no campus, o da Biologia. Fora isso, a localização também é excelente, bem no coração do campus.

O Café Terrace é a única coisa que os economistas tem de bom neste campus. Mas na verdade, ele está localizado no prédio da Engenharia (que fica do lado da Economia). É um grande terraço, não só com mesinhas ao ar livre, mas o próprio café também mal tem portas. E o melhor para mim, são as “cabinezinhas”, onde ficam algumas mesas de madeira. Eu poderia ficar lá por horas e horas, principalmente num dia em que não estivesse muito quente.

Finalmente, o Café do International House, a uns 200 passos da porta do meu quarto. Quando estou de saco cheio da comida o IHouse, ou quando quero comer um bolinho de chocolate (muffin), ou melhor, quando estou a fim de sentar num belo dia de sol olhando para a Golden Gate e a baía de San Francisco, eu vou para lá.



E qual é o papel dos cafés na vida universitária? Eu já disse que aqui se estuda MUITO (eu disse MUITO), e as pessoas não tem problema em mostrar que passam o tempo todo estudando. E as pessoas são descontraídas, não suportam repressões. O café sintetiza um ambiente que atende bem a todos estes requisitos: as pessoas vêm com seus notebooks e cadernos e ficam estudando (como parece que estou fazendo neste exato momento), quanto tempo quiserem. O ideal do café é que ninguém vai vir encher o seu saco, muito menos garçons ou garçonetes excessivamente solícitos querendo limpar sua mesa – como se faz no Brasil (o lugar mais remotamente parecido neste quesito é o Starbucks da Alameda Santos com a Campinas; espero que eles não mudem!!!). Pagando US$ 2,60 por um café posso ficar aqui o tempo que quiser. A sofisticação tecnológica faz com que todos eles, mesmo os fora do campus, ofereçam ambiente wireless. Além disso, se você vier cedo e conseguir um bom spot você ainda consegue não gastar a bateria de seu notebook plugando-o a uma tomada (Infelizmente não foi o meu caso hoje...). Se você for cara de pau, tem tomadas específicas para recarregar o seu celular também. Outras vantagens dos cafés: você pode falar no celular, no skype, com amigos que porventura passem, fumar, e, claro, comer. Os meus quatro favoritos ainda permitem que se veja a movimentação da rua, dos passarinhos nas árvores, dos aviões no céu, e se pegue uma “corzinha” tomando sol. É difícil não ser feliz assim... Mesmo estudar fica muito mais fácil... E é isso que vou fazer agora...

segunda-feira, 16 de março de 2009

A Academy of St. Martin in the Fields, ou Luciana no país dos Maravelhos

Numa tarde de quinta-feira, voltando de fora, decido que é hora de enfrentar novamente a caixa de correios. Deixo todo o material que carregava em cima de uma mesinha, abro minha carteira e pego o pequeno cartãozinho verde com instruções:
“Vire a chave para a direita 3 vezes. Depois, pare no ‘I’, então vire a esquerda, passe pelo ‘I’, e pare no ‘F ½’. Daí vire para a direita e pare no ‘A’. Então gire a pequena maçaneta para a esquerda e puxe a portinha para abri-la”. Detalhe: o tamanho da caixa de correios é de uns 8cm x 10cm...
Felizmente, desta vez, havia um monte de coisa dentro. Das duas últimas vezes, depois de seguir todas as instruções, eu havia me deparado com uma caixa vazia. Senti-me uma completa idiota (lembro-me de ter falado um palavrão numa das vezes). Ao pegar meu material de volta, sem querer, acabo levando um exemplar de jornal que estava em cima da mesinha. Dou uma rápida olhada na capa: programação semanal dos eventos no campus. “Não custa nada levar!”

Horas depois, faxina diária: jogar os 500 papéis que recebemos ao longo do dia (tem manual pra tudo neste país: além de equipamentos eletrônicos, tem manual para o aluno, manual para o visitante, manual para o estrangeiro, manual para o aluno visitante estrangeiro, manual do seguro de saúde, manual do metrô, manual de cada uma das 20 bibliotecas do campus, 70 páginas de manual do residente do International House, etc...). Antes de descartar o jornalzinho que tinha acabado de pegar, dou uma folheada rápida. Vejo a foto de uma bonita loira, fazendo pose com um violino: “Revelação do ano 2007 aos 24 anos, a alemã blá, blá, blá...” Já estava virando a página quando... Peraí! Eu li “Academy of St. Martin in the Fields”? Volto e leio o quadro que ocupava meia página do jornal. Eu não acredito! Releio tudo. A Academy of St. Martin in the Fields, uma das mais famosas orquestras do mundo (de Londres) estaria tocando dali a 48 horas, a 500 metros da minha “casa”!!! Na manhã seguinte, estava eu na bilheteria comprando meu ingresso.

Sábado. Chovia e fazia um frio inimaginável para as terras californianas. A emoção fez-me esquecer tudo isso, fantasiar-me de cebola e sair para a rua. Entro no teatro uma hora e quinze minutos antes do concerto começar. Haveria antes uma palestra acadêmica sobre os compositores da noite (Britten, Bach e Walton). Anunciado o nome do palestrante, vejo duas pessoas entrando vagarosamente no palco e... um cachorro golden retriever! O professor palestrante era cego!!! Meus olhos ficaram molhados. Primeiro porque cachorro e música clássica são duas coisas que tocam profundamente minha alma. Os dois juntos, ao mesmo tempo, tem um efeito multiplicado. Segundo porque... caramba ! Que lugar maravilhoso, onde as pessoas são respeitadas pelo o que são, e têm de fato as mesmas oportunidades! O requisito aqui é ter mérito. Será que a proporção de cegos, deficientes físicos no Brasil é mais baixo do que aqui? Por que eu nunca vi nenhum cego, nenhum cadeirante na USP, na Unicamp, etc. e vejo em várias escolas daqui, muitos exercendo cargos de destaque?

Depois da ótima palestra – em que o cego ligou, deu fast-forward, rewind, etc no CD de Bach – o público que não quis assisti-la começou a chegar. E chegava, e chegava, e o grande teatro foi enchendo, enchendo... de idosos!!!!! Quando eu digo idosos, estou dizendo, mais de 60, 65 anos de idade, cabeleira branca (homens e mulheres), com certeza aposentados já há alguns anos. De início aquele foi um mero detalhe. Com o passar do tempo, fui começando a achar que tinha algo de muito errado. Mas não tinha. E os velhos continuaram chegando, até eu ser rodeada por eles pela frente, pelos lados, por atrás... Só não fui acometida por um sentimento de pânico, pois eu vi uns 20 “jovens” (certamente não mais do que isso) naquele teatro que tinha capacidade para mais de 2 mil pessoas e que estava pelo menos 70% cheio. Pensamentos foram inundando minha mente: cadê a população jovem daquela que era uma cidade universitária? Os jovens não vieram porque o ingresso era caro? Eu paguei 53 dólares para assistir à Academy of St. Martin in the Fields, porque dada a burocracia da universidade eu ainda não tinha conseguido tirar o Cal ID e não consegui nenhum tipo de desconto. No Brasil, eu teria pago 104 reais, no mesmo lugar (mezzanino) para assistir a uma orquestra local. E aí comecei a filosofar sobre questões de concentração de renda no Brasil vs. EUA (em todas as vezes que vou a concertos em São Paulo, eu sempre encontro com alguns alunos do IBMEC, sem contar que nunca me ocorreu de passar por algo parecido aquela noite). Felizmente, logo, logo o espetáculo começou. Deixei de lado as dúvidas sociológicas e o desconforto de estar invadindo o terreno dos velhinhos, entreguei-me de corpo e alma para a apreciação da boa música daquela noite.

PS1: A Academy of St. Martin in the Fields também é quase inteiramente dominada por “velhos” – mas bem mais novos que a platéia daquela noite. Entretanto, eles não tem maestro (como nos velhos tempos do barroco) mas tem uma diretora (a primeira-violinista), que é a tal da alemã de 24 anos de idade! Perto dela – e do talento dela – EU me senti uma velha!!!

PS2: Dias depois, fui a um concerto do Departamento de Música da universidade, pagando 10 dólares para ouvir um piano original de 1857. Desta vez, a platéia estava lotada de jovens estudantes (que pagaram 5 dólares). A questão da concentração de renda FAZ sentido! Mas vamos deixar isso de lado... O espetáculo foi uma maravilha, apresentada por jovens de 22, 23 anos que NÃO SÃO alunos de Música: Biologia, Engenharia, Astrofísica, Psicologia... E eu, aos 34 anos, mal consigo arranhar três escalas na flauta... Shame on me!

segunda-feira, 9 de março de 2009

Americanos, por eles mesmos

(Este texto é dedicado àqueles que um dia pensam em passar um tempo nos EUA, ou lugar parecido... Espero que ajude!)

Todos os indivíduos quando vão parar em terras estrangeiras – para morar ou ficar um longo tempo – não demoram para chegar a conclusões sobre “como é o povo local”. Estas logo se tornam assunto favorito de conversas de rodinhas quando se juntam dois ou mais indivíduos da mesma nacionalidade. Como já discutimos sobre Lévy Strauss aqui neste blog, dá para adivinhar que tais conclusões são normalmente negativas: chineses no Brasil falam mal dos brasileiros; brasileiros na América falam dos americanos; americanos na Europa falam mal dos europeus... Não tem como escapar. Este comportamento, aparentemente arrogante e petulante, é na verdade uma tentativa (malsucedida) de tentar compreender a cultura local, de tirar regras de comportamento dos nativos para saber comportar-se de forma adequada e ser aceito. O que no fundo todos querem é ser felizes – temporariamente ou para sempre – nas terras estrangeiras. Mas, como as conclusões tiradas nem sempre correspondem à realidade – na maioria das vezes são apenas estereótipos longe de serem generalizáveis – o resultado final pode ser de mais sofrimento.

Por isso, é de extremo valor quando podemos nos deparar com descrições sobre o ser e o agir de um povo descritos por seus genuínos representantes. A parcialidade e o viés não estão de todo anulados, mas certamente a visão é muito mais acurada, ampla, sem contar que, por motivos sociológicos que não merecem ser aprofundados aqui, pessoas que se dispõem a escrever tratados sobre o seu povo, normalmente têm uma capacidade de análise e crítica mais privilegiados. Por isso, mal posso descrever minha felicidade quando o pessoal do International Office da universidade, durante o encontro de boas-vindas, entregou-nos um conjunto de “manuais” (de sobrevivência nos EUA...) onde encontrava-se também a lista abaixo. Como eu teria sido mais feliz se tivesse lido isso BEM antes! Espero que agora muitos de vocês possam fazer bom uso dela. Mas atenção: quem vai para Disneylândia ou fazer compras na 5a Avenida em Nova York NÃO precisa desta lista!!!

Os Valores com os quais os Americanos Vivem
1. Controle pessoal sobre o Ambiente: as pessoas podem e devem controlar a natureza, seu meio-ambiente e seu destino. O futuro não é determinado pelo destino.
Resultados: Uma sociedade energética, orientado por metas e objetivos claros.
2. Mudança e Mobilidade: mudanças são vistas como positivas, boas, significam progresso, desenvolvimento e crescimento.
Resultados: Sociedade em constante movimento geográfico, econômico e social.
3. O Tempo e seu Controle: o tempo é precioso, o alcance de objetivos depende no uso produtivo do tempo.
Resultados: Eficiência e progresso muitas vezes às custas de relações pessoais.
4. Igualdade: as pessoas têm oportunidades iguais, e são importantes como indivíduos, pelo o que elas são, não da família das quais elas vêm.
Resultados: Pouca hierarquia ou reconhecimento de status.
5. Individualidade, Independência e Privacidade: as pessoas são vistas como indivíduos separados (não membros de grupos) com necessidades individuais. As pessoas precisam de tempo para ficarem sozinhas e serem elas mesmas.
Resultados: Americanos vistos como egocêntricos e algumas vezes isolados e sozinhos.
6. Auto-Ajuda: os americanos têm orgulho de suas conquistas pessoais, não no nome.
Resultados: Respeito conferido a conquistas e não “acidentes de nascimento”.
7. Competição e Livre Empreendedorismo: os americanos acreditam que a competição traz o melhor das pessoas e o livre empreendedorismo produz o máximo de progresso e sucesso.
Resultados: Menor ênfase na cooperação e mais ênfase na competição.
8. Ação e Orientação ao Trabalho: os americanos acreditam que trabalho é moralmente correto, e que é imoral gastar tempo.
Resultados: Mais ênfase em “fazer” do que em “ser”. Atitude pragmática, com sentido claro com relação à vida.
9. Informalidade: os americanos acreditam que a formalidade expressa arrogância e superioridade.
Resultado: Atitudes casuais, igualitárias entre as pessoas e em suas relações.
10. Honestidade, Abertura e “Directness”: só se pode confiar em pessoas que “olham em seus olhos” e “dizem as coisas como elas são”. A verdade é função da realidade não das circunstâncias.
Resultados: As pessoas tendem a dizer a verdade e não se preocupar em “guardar a cara” ou a honra da outra pessoa.

(Adaptado de “The Values Americans Live By” de Robert Kohls)

Acho que eu não tenho me equivocado muito nas análises deste blog, não é mesmo? ☺