terça-feira, 21 de abril de 2009

Morando num dorm (2)

O lugar pelo qual passo todos os dias, literalmente, para “bater o cartão” é o refeitório. O cartão em questão é o magnético que conta o número de refeições já usufruídas. Depois de ouvir muito, muito, muito falar mal da comida do refeitório – basicamente por alunos brasileiros que já passaram por aqui, ou aqueles que nunca passaram mas “ouviram falar” – a decepção acabou sendo muito menor. Tem dias em que realmente está insuportável e saio de lá depois de somente tomar um refrigerante e/ou um café com leite. Mas talvez minha ascendência chinesa faz-me aceitar alguns pratos que os brasileiros tipicamente não gostam: peixes cozido no vapor sem sal (meu prato favorito depois de se adicionar shoyu por cima), canja, verduras sem gosto. Sem contar com o buffet de salada (lembro-me de quando em Madison cada pé de alface custava 3 a 4 dólares e eu tinha que ficar com vontade de comer hortaliças, dada minha pobre condição de estudante...), pães de forma de todos os tipos, sucos, chás, café, refris e etc, sempre presentes nas 3 refeições do dia.

A promoção da multi-etnicidade e multi-culturalismo é obsessão do International House. Chega a ser irritante de tanto que se chove no molhado (ou talvez seja porque ainda não esteja tão molhado para algumas pessoas assim...) Hoje, no dia em que escrevo este blog, está tendo o Spring Festival, um dia inteirinho de apresentações de culturas o mais diversas possível, com coisas que jamais poderíamos chegar perto de imaginar no Brasil. Mas uma das coisas interessantes são as noites étnicas no refeitório: jantar do ano novo persa, ceia (=jantar) da páscoa judaica, almoço irlandês no St. Patrick’s Day, almoço de Mardi-Gras (e este é o momento que os brasileiros devem sentir-se “homenageados”...), etc. Além de pratos das culturas em questão, também pode acontecer de ter decorações específicas, apresentações musicais e de dança. Mesmo comendo muito sozinha, não pude deixar de curtir bastante, por exemplo, a noite do ano novo persa em que houve apresentação de dança do ventre:




Comer no refeitório tornou-se uma atividade prazeirosa depois que o tempo começou a esquentar. O maravilhoso pátio interno do IHouse e suas mesas circulares foram abertas aos comensais. E não posso dizer que não exista uma sensação de alegria quando nos domingos de sol eu sento-me numa das mesas para tomar meu brunch...



Outro lugar de muita freqüência, é a biblioteca, ou melhor, a sala de estudos, apesar de eu tê-la traído por outras mais atraentes no campus (Law, East Asian, Haas, etc, sobre as quais falarei no próximo blog). A vantagem deste é que fica aberto 24 horas por dia. E, passando por lá seja às 7 da manhã, seja ao meio dia, seja às 4 da tarde, às 10 da noite, às 2 da manhã, eu sei que terei companhia, principalmente dos jovenzinhos asiáticos, se for nos horários extremos da lista acima (eu já fiquei lá em todos estes horários, não são exemplos hipotéticos!)

O único lugar que chamou a atenção da Trish quando veio me deixar, é o chamado Great Hall:


O pé direito alto, as paredes cobertas com belíssimos tapetes persas, os lustres imitando candelabros, o teto decorado, os suportes de vigas em formato de cabeças de bodes (???), e os confortáveis sofás fazem com que seja meu lugar predito para tomar o sorvete-sobremesa-do-jantar de todas as noites (mais uma coisa boa do refeitório!). Pena que, assim como todos, todos, todos os cômodos da International House, tenha as insuportáveis e horrendas paredes beges...


(Teto do Great Hall)


(Suporte de vigas com cabeças de bodes)


Entre pequenas alegrias, pequenos dissabores e algumas grandes irritações, foi uma experiência e tanto, e certamente única, na minha vida ter morado num lugar como este. Dormitório, centro de convenções da universidade (quase tudo acontece aqui, pois além do lugares descritos, ainda tem um monte de salas sociais e um velho auditório), ONU (como eles querem ser oficialmente reconhecidos), escritório de assuntos dos alunos e visitantes estrangeiros, promotor de eventos de “inserção cultural dos alunos estrangeiros”, etc. (até missa católica aconteceu aqui na quarta-feira de cinzas) este lugar tem de tudo um pouco. Um dia sei que vou rir olhando para trás para este tempo em que passei no meu horrendo quartinho rodeado por barulheira de estridentes estudantes. Como já estou rindo... Faltando exatas 4 semanas para minha mudança para um pacatíssimo bairro de casas de famílias norte-americanas, onde terei uma casinha-kitnete, tudo parece se tornar mais bonito e suportável por aqui...

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Morando num dorm (1)

29 de Janeiro de 2009, meio-dia. Jamais vou me esquecer deste dia e desta hora. Peter e Trish tinham acabado de me buscar no aeroporto de San Francisco e chegávamos à recepção do International House, bem no campus da UC Berkeley.



A gerente recepcionou-me muito simpática, com a simpatia americana, mas foi o aluno quem me deu as orientações. Tendo passado por estas terras antes, já sabia que trabalho não qualificado numa cidade universitária somente é exercido por negros, latinos e alunos querendo ganhar uma graninha extra. Aqui na Califórnia ainda tem os cantoneses. A orientação do aluno foi longa, não me preocupei em captar nada, sabia que no dia-a-dia iria aprender e que as informações mais importante não foram dadas (dito e feito...). Só prestei atenção à informação de que a chave em forma de coração era do meu quarto, e a de forma de diamante era de todos os banheiros femininos do prédio que, “por questões de segurança”, tinham tranca (homem não é atacado por tarados nos banheiros?). Eu e Trish empurramos a pesada mala até o elevador, chegamos no 3o andar, e deparamo-nos por corredores infindáveis de um e de outro lado. Caminhamos, caminhamos, caminhamos o que parecia um trajeto sem fim, olhando diversas placas indicando a direção desejada. Finalmente, depois do que vim a saber serem 180 passos, deparamo-nos com o número 328 (os quartos NÃO seguem a seqüência dos números!) Abro a porta e... meu coração quase cai ao chão. Um pequeno quarto, escuro a ponto de precisar de luz naquela hora do dia, móveis de madeira “sem graça” destacando a sua vaziez, paredes cor de creme (eu DETESTO paredes cor de creme!!!!), e o chão de uma insuportável nudez de um granito artificialmente marrom claro/laranja. Pelo Feng Shui chinês eu diria que ele não conserva a energia. No bom e simples português, ele simplesmente é frio! Não tive muito tempo para delongas. Acompanhei Trish de volta para seu carro e passei o resto do dia desfazendo mala e recuperando-me do cansaço dos últimos dias de viagem e de agito por conta do casamento da minha irmã. No dia seguinte, comecei a fazer a listinha de compras: tapete, quadros para a parede, flores, almofadas,... Peraí!!! Este lugar NÃO É a minha casa, eu vou ficar aqui por apenas alguns meses e eu não vou gastar o dinheirinho contado para a decoração deste lugar! Pensando nisso, mas sabendo que eu não suportaria ficar num ambiente feio comecei a improvisar. Em cima da cama (de solteiro) estava algo que na lista aparecia como “protetor de colchão”. É um simples feltro branco; ótimo, perfeito como o novo tapete do quarto. O calendário de flores que trouxe do Brasil ficará em cima da mesa e substituirá as flores de verdade. Folhas dos meses que já se passaram serão os novos “quadros” das paredes. Com o passar do tempo, também fui colando folhas de papel com mensagens de auto-incentivo: “Objetivos até o fim do semestre”, “Por que estou aqui?”, “Sendo feliz sozinha” e coisas do tipo. Depois de comprar minha impressora, as coisas ficaram melhores ainda: papel impresso com tintas coloridas, letras de caligrafia e também, algo que eu tinha resistido inicialmente, proclamar aos quatro ventos minha origem brasileira (NAO ME CONFUNDAM com os asiáticos daqui!!!!). Hoje, quem passa pela frente de meu quarto verá a seguinte imagem colada na minha porta*:





Naquele fim de semana, ainda abatida pelo Jet-leg (como já descrito neste blog anteriormente), vou para a cama muito cedo, mas... às 10:30 da noite ouço um barulho infernal da parede do outro lado: musica altíssima, cantoria, meninas berrando... Sim, meu vizinho – whoever that is – estava dando uma festa dentro de seu quarto. A festa durou até por volta da meia-noite... e voltou às duas da manhã!!! Levantei-me e fiz uso do notebook adquirido naquele mesmo dia: escrevi um longo email, furiosíssima para a coordenação do IHouse. Dizia que era uma aluna de doutorado que queria paz e que não era pelo fato de ser fim de semana que eu não tinha direito a sossego; fui cínica dizendo não saber que era permitido ter festas nos quartos. Enfim, nunca fui tão arrogante e chata, mas a vontade na hora era escrever muito mais. Dias depois, recebo uma mensagem da supervisora, pedindo mil desculpas pelo ocorrido, dizendo que meus vizinhos seriam advertidos e deu-me orientações caso ocorresse algo semelhante novamente. No dia seguinte, dois jovenzinhos vieram bater-me na porta. Não, não eram meus vizinhos, mas os monitores do andar. Vieram saber exatamente o que aconteceu e novamente me deram as orientações para caso algo me incomodasse novamente. Infelizmente, a simpatia do “staff” gerou-me mais conforto psicológico por ter sido bem tratada do que utilidade prática. Depois disso, eu infelizmente precisei de outras vezes, por motivos diversos (pelo menos, meu vizinho não deu mais festas, ou melhor, festas grandes), mas o acionamento dos comandos não deu muito resultado. Depois da terceira tentativa eu desisti e cheguei a uma conclusão: estou velha demais para morar num dorm.

(continua na semana que vem)
*Produto importado ao mercado francês, por uma empresa chamada Tropic-Concept: http://www.tropic-concept.com