segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Jovens americanos, por uma professora brasileira

Nos primeiros dias em que cheguei, ficava na dúvida sobre qual era a minha condição aqui: Turista? Estudante? Pesquisadora? O meu status oficial só agravava a minha crise de identidade: “visiting student scholar” (what the heck is this?) Não tardou para eu mesma encontrar a resposta: todas as vezes em que vejo jovenzinhos barulhentos na biblioteca ou pelos corredores do International House eu não consigo desviar olhares reprovadores com a testa franzida e olhar carrancudo de velha rabugenta (não esperem me ver aos 60 e tantos!) Certamente eu sou uma professora enrustida nas calças jeans, tênis e mochila que têm sido meu uniforme diário. Mais certeza tive disso quando muito rapidamente comecei a analisar o jovem por aqui, em comparação ao que conheço. Claro que toda comparação parte de generalizações e estereótipos, mas o que vou descrever é justamente uma tentativa de sair um pouco disso.

Talvez acometida pela “síndrome de Levy-Strauss” descrita anteriormente (favor ler meu blog passado), muitas alunas brasileiras quando vêm para os EUA dizem que as moças daqui são bregas e se maqueiam muito. Isso é uma verdade parcial. Este grupo de super maquiadas deve fazer parte de uns 10% da população. Os 90% restantes são divididos entre pelo menos 50 grupos distintos, se é que pode-se dizer que haja grupos distintos por aqui – e para os homens é a mesma coisa – descoladas com roupas “cool”, patricinhas super hiper elegantes (modelos europeus), masculinizadas, estilo “I don’t care” (a loira gorda do aeroporto de Miami), meio p... (microssaias, shortinhos acima da b..., roupas coladas), punks, estilo oriental (meiguinha, menininha, toda rosinha com bonequinhos de cartoon), executivas, etc, etc, etc. Ou seja, você simplesmente pode vestir o que você quiser – aqui em Berkeley se não quiser vestir nada também tudo bem – e você vai ser igualmente respeitada, ou igualmente não-observada(o). A etiqueta aqui é: ninguém repara em ninguém, ninguém olha ninguém, muito menos faz comentários a respeito (para a pessoa em questão ou para outros). Chego à conclusão que somos “elegantemente chatas (os)” no Brasil. Temos medo de inovar, de ser “diferente”, de “chamar a atenção”. Viva a individualidade, caramba!!!

Outro dia ia ter uma festa aqui no I-House. Depois do jantar, no elevador, ouvi uma garota toda empolgada perguntando ao rapaz ao seu lado se ele iria para a festa. O menino, muito atraente, respondeu: “- Ah, não! Eu vou ficar estudando na biblioteca.” A moça deve ter dito algo frustrada que eu não ouvi. O rapaz complementou (isso TEM que ser no original): “This is just the way I am...” Eu juro, eu juro que eu prendi a respiração para ouvir com atenção, pois esperava que a qualquer momento o menino fosse dar uma gargalhada e dissesse: “- Te enganei! Te enganei! É claro que vou!” Esperei, esperei, a porta do elevador se abriu e eu tive que descer, e... não! O menino estava falando sério!!! Eu juro de novo, aquele foi um momento em que eu gritei por dentro: COMO É BOM ESTAR NESTE PAÍS!!!! As pessoas são respeitadas não somente pelo o que elas vestem, mas pelo o que elas SÃO! QUANDO eu vou poder falar para uma pessoa que me chama para uma festa no Brasil e dizer para ela que eu prefiro ficar em casa ouvindo música, lendo um livro, estudando porque “this is just the way I am”? Na semana seguinte eu perderia todos os meus amigos e ser condenada de anti-social para sempre! Eu vivo no meio de mestres e doutores e o maior pavor de TODOS nós é sermos considerados “nerds”, “cdfs”, “geeks” – como se não fôssemos mesmo! Não vou entrar na discussão sociológica de que é justamente por esta conotação negativa que as pessoas muito estudadas têm no nosso país que estamos onde estamos e os países asiáticos estão onde estão, mas eu sinceramente acharia muito bom, muito relaxante e muito desestressante no dia em que os nerds fossem respeitados por eles serem nerd, assim como os artistas fossem respeitados por serem artistas, e como os vagabundos fossem respeitados se eles não encherem a paciência de ninguém (há muita gente ociosa dormindo pelas ruas de Berkeley...) E viva a individualidade 2!!!

A terceira estória é um pouco mais esquisita... Estava outro dia jantando no restaurante. Nele há umas 40 mesas que cabem 10 pessoas e mais umas 6 onde cabem 4 pessoas. Vejo um menino sentado numa das pequenas mesas sozinho. Chegam uma menina e outro rapaz. A moça, animada, pergunta se ele iria querer continuar sozinho ou se eles podiam se juntar a ele. Eu não ouvi a resposta do menino, mas não precisei. Só de olhar para a cara que ele fez eu já imaginei o que aconteceria: a menina deu meia-volta, com os dois pratos de comida na mão, dizendo “ok!” sem-jeito e afastando-se da mesa. O menino continuou comendo sozinho. Eu MORRI de curiosidade para saber o que exatamente ele falou para os dois. Será que foi um: “-Não! E não me enche o saco!”, ou “Quero ficar sozinho!”, ou “Vai embora e me deixa em paz!”? Minha curiosidade dominou-me a noite inteira. Depois de voltar ao quarto, eu ainda abri janela (minha janela dá para o salão do restaurante) para ver se o menino continuava sozinho. Ele podia estar esperando por alguém. Mas não, continuava sozinho. Dali a 10 minutos, voltei para a janela. O restaurante havia fechado, ninguém mais estava no salão. Fiquei ainda mais curiosa. Mas o menino ficou sozinho, assim como quis, e assim como fez valer seu desejo perante sua “amiga”. Imagina se um dia, deparando-me com alguém bem chato, eu fizer o mesmo quando estiver almoçando no Lambreta ou no Getulinho... O que seria de mim? Novamente, apedrejada por meus amigos. E viva a individualidade 3!!!!

É lógico que em outros aspectos, os jovens americanos são bem parecidos com os brasileiros: bebem aos montes (nos fins de semana!), têm uma necessidade fisiológica inexplicável de gritar e fazer barulho, falam mal dos professores, são multi-tarefas (aliás este assunto por si só merece um blog especial), etc.

Mas eu ainda tenho muito o que aprender com os jovens americanos no que se refere ao respeito pela individualidade...

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Jetlag

Uma das tirinhas de Mafalda mostra a sua perplexidade quando ela, aos 6 anos de idade, descobre que, quando é de manhã na Argentina, já é de noite na China e de tarde na Europa. Conclui: “-Este país é atrasado até nisso... É por isso que somos sub-desenvolvidos: o tempo que usamos é o descartado pelos outros países...”

Se a lógica da Mafalda funcionasse neste caso (a lógica dela normalmente funciona muito bem!), esta terra onde me encontro, lar de Hollywood e do Vale do Silício, seria a mais atrasada do planeta, com exceção do Havaí, Tahiti e Bora-Bora – mas tenho certeza de que o pessoal destas últimas ilhas não faz a menor questão de ser avançado nem no tempo nem em nada. A verdade é que esta estória de fuso horário é para mim ainda meio mística. A experiência mais surreal que eu tive com fuso horário foi um vôo que fiz de Los Angeles para Tokyo, parte de uma viagem do Brasil para Taiwan/Hong Kong. Partimos por volta do meio-dia, e logo dali era tarde. E a tarde chegou, e foi ficando, foi ficando, foi ficando... e nada da tarde ir embora... Olho para o relógio – que já havia sido ajustado para o horário de Los Angeles – e eram 4 da manhã em L.A.!!! E o sol continuava feliz e contente brilhando como se fossem 3 da tarde!!!! Era como estar dentro de um filme de ficção científica: “A Tarde Sem Fim”...

Dias atrás, no vôo vindo para San Fran, depois de passar um ano lendo muito sobre física quântica, big bangs, teoria da viagem no tempo de Einstein, etc. comecei a me perguntar: qual será a velocidade que o avião deve alcançar para que, viajando no sentido Leste-Oeste, ele exatamente compense o movimento de rotação da Terra? Se for possível viajar neste avião, a hora nunca passaria!!!

Devaneios à parte, sobra ainda uma pergunta que é muito real e refere-se a algo que sei que muita gente já passou ou vai passar: O que acontece quando alguém dá a volta ao mundo indo somente em uma direção? Por exemplo: eu saio do Brasil, passo pelos EUA, vou para a China e, ao invés de voltar pelo Pacífico, eu decido dar uma “esticadinha” pelo Oriente Médio e pela Europa, e voltar da Europa para o Brasil (exatamente o que eu planejo fazer algum dia...). O resultado disso é que eu vou ganhar – de graça – 24 horas na minha vida!!! Para sempre!!! Sem devolução necessária! Este é justamente o grande clímax do livro/filme “Volta ao Mundo em 80 Dias” e o grandioso lance de Julio Verne para o final fantástico de sua obra (quem não leu, paciência, o livro é de 1873, o filme clássico é de 1956 e ainda há o de 2004, então eu não tenho obrigação de não contar o fim...). Mas – físicos quânticos, hello! – como assim? Lavoisier disse que “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” (eu sei... ele não é físico quântico, cito ele por causa da genial descoberta). Neste caso, o que transforma em que? Os físicos não dizem que até os milésimos de segundos devem ser cuidadosamente levados em conta? O Big Bang aconteceu num deles... E a vida de algumas partículas dura exatamente isso... (Pra quem está boiando, bem feito! quem mandou não ir à exposição do Einstein no Ibirapuera?) E o que fazer então com 86.400 segundos inteiros, que, de repente, aparecem na sua vida – ou então somem, para aqueles que preferirem começar a bela viagem pela Europa e fazer o caminho contrário ao que eu sugeri. Mistérios, mistérios do Universo (ou de todos os corpos celestes que tem movimento de rotação).

Bom, esta conversa toda começou quando eu comecei a achar estranho que meus dias não estavam rendendo. Meu sono está chegando invariavelmente às 10 da noite, e todos os dias, antes da 7 eu já acordo, sem necessidade de despertador (isso nunca aconteceu antes!!!). Meu grande amigo Pérsio, super viajado, me disse uma vez que, para cada uma hora de diferença no fuso horário, nosso corpo precisa de um dia para se recuperar. Jamais me esqueci da “regra de Pérsio”. Entretanto, a conta não esta fechando desta vez... O mais estranho de tudo é que não estou vivendo nem o horário de São Paulo, nem o de San Francisco/Berkeley. Acho que durante o vôo da vinda deixei meu corpo esquecido em algum lugar do Arkansas... Ou então, o que é mais possível, é o que uma amiga minha concluiu com relação a este assunto: - Estamos ficando velhas... (O Pérsio vai ter que chegar a uma nova regra para pessoas acima de 30 anos...)

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Viagens e Levy-Strauss

(Escrito em 29 de Janeiro)
A maior frustracao da minha vida foi nao ter me tornado diplomata, ou melhor, nao ter sido permitida para isso. Lembro-me exatamente bem daqueles 15 minutos na sala da Coordenacao do Instituto Rio Branco em Brasilia, aos 13 anos de idade, acompanhada de minha mae. A coordenadora deu-me a noticia de que eu nao poderia ser admitida no instituto por nao ser brasileira nata, assim como um medico que comunica a mae que seu bebe nasceu morto. E foi o que aconteceu: um sonho morto antes mesmo de nascer. Naquele dia tive o primeiro contato com a Constituicao Brasileira: queria certificar-me que a coordenadora dissera a verdade.  
Hoje no entanto percebo que, para ser diplomata, alem de falar varias linguas e gostar de viajar, eh necessario antes de tudo ter equilibrio emocional. O exame do Rio Branco deveria incluir um rigoroso teste psicologico (se eh que isso existe...). E honestamente, eu  nao sei se passaria. Lembro-me de quando estava em Madison, Wisconsin, tive a oportunidade de ser rommate de uma aluna brasileira que estava por lah fazendo um intercambio de 6 meses. 6 meses. E ela me dizia os rios de lagrimas que seus pais haviam derramado em sua partida do Brasil. E ela, invariavelmente todas as sextas feiras, depois de nossa sessao de musica baiana e vinho, tambem derramava lagrimas e lagrimas de saudades do Brasil. 6 meses. Eu nao conseguia entender este desperdicio de recursos fisiologicos. Mas, com minhas proprias justificativas tambem cheguei a derramar muitas lagrimas nos meus 4 anos longe da terra-mae.

O grande antropologo Levy-Strauss jah dizia que eh inerente ao ser humano, ou melhor, a todas as culturas humanas, considerar inferiores os usos, costumes e habitos diferentes dos seus. "O cafeh brasileiro eh melhor que o americano", "O suco de laranja brasileiro eh mais gostoso...", "As pessoas sao mais bem-vestidas, mais bonitas..." Atire a primeira pedra quem jah morou no exterior por mais de 3 meses e nunca fez - ao menos mentalmente - uma comparacaozinha sequer.
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A experiencia ajuda a amadurecer. Alguns anos atras, esperar na fila da imigracao americana era o climax da tensao de toda a viagem. Hoje enquanto aguardo a minha vez, fico observando cada um dos guiches e me perguntando se hah algum deles nao ocupado por um funcionario hispanico. Chegando a minha vez, cruzo a faixa amarela. "How are you?", cumprimenta-me o jovem rapaz, mas sem uma sombra de sorriso no rosto. Leio a plaquinha de identificacao presa ao seu uniforme: "Ortiz". Nem precisava, o sotaque do ingles dele eh mais carregado do que o meu. A Imigracao norte-americana eh muito inteligente: os piores algozes sao aqueles destinados a aniquilar a sua propria raca. Miami eh ainda um caso extremo. Da ultima vez em que aqui estive, nas exatas 24 horas em que estava em transito, nao consegui falar com uma viv'alma caucasiana. O governo federal deveria pensar seriamente em proibir a abertura de escolas de lingua inglesa nessa cidade: presta um enorme desservico a cultura norte-americana.
Com os pes firmes em solo americano, pela primeira vez a "ficha caiu": estou indo para San Francisco! E encaminho-me em direcao ao portao do voo. Ainda eh cedo. Espero a loja de cafeh abrir. Dias atras, na sua despedida, papai pediu um cafeh espresso soh para me acompanhar: "-Lah nos EUA nao vai ter cafeh assim, nao eh mesmo?". "Eighty-six cents!", a caixa me informa. Ou seja, bem mais barato que aquele cafeh que tomei com papai em Congonhas... Coitado do papai...
Mais acordada, nao posso deixar de reparar que realmente estou em terras americanas. Vejo uma moca loirissima que, no Brasil, estaria no auge de sua juventude e vaidade, pondo em pratica tudo o que sabe sobre a seducao feminina. Aqui, ela veste um short samba-cancao azul, uma camiseta branca disforme, e deve pesar no minimo 120 kg - o que nao a impede de comprar um croissant de queijo derretido e presunto as 6 da manha. Logo adiante, vejo tambem um senhor de uns 40 e tantos anos, cujos cabelos tem comprimento muito alem do que dita os bons modos, e que nao devem ver xampu ha algumas semanas. Finalmente, estah a aeromoca com cabelo duro de laqueh.
Devo estar tendo a tipica reacao primitiva identificada pelo velho Levy-Strauss. Mas a experiencia deve servir para alguma coisa. Agora tudo isso eh fonte de humor - e material para este blog!

PS. Tempos de crise: as refeicoes dos voos domesticos agora sao pagas!!! Sanduiche de peru e queijo: $6 dolares. Torradas com geleia e manteiga: $4 dolares. Cookies com pingos de chocolate (chips): $3 dolares. De graca, soh um copo de agua com gelo que a aeromoca do cabelo de laqueh acaba de me servir...