domingo, 28 de junho de 2009

Na terra do liberalismo (2)


Agora posso dizer que uma das minhas maiores missões em San Francisco está concluída: fui assistir hoje (28 de Junho) ao desfile da parada GLTS (Gay, Lésbicas, Transexuais e Simpatizantes), a que deu origem a todos os outros do mundo. Durante o mês de Junho inteiro, a Market Street – uma das principais da cidade, chamada de “a espinha dorsal de San Francisco” – ostentou em todos os seus bonitos postes de luz, ao longo de suas mais de 3 milhas (~ 5km) de extensão, grandes bandeiras do arco-íris. E não importa se a rua passa no meio do centro financeiro da cidade: aqui, até os executivos têm cara relaxada, convivendo pacificamente, ou até mesmo encarnando o liberalismo em todos os sentidos.

Depois de 5 meses indo para San Francisco quase todos os finais de semana, eu nunca vi aquela cidade tão cheia, o metrô (BART) tão lotado, pessoas rindo, cantando e dançando tanto, e tantas mulheres nuas ou seminuas. Não entendi direito a ligação deste último fato com a parada gay, mas parece que o espaço conquistado por um grupo para clamar por seus direitos, é tranquilamente compartilhado com outros. Hoje, não somente os GLTS comemoravam seus direitos conquistados (não completamente ainda), mas vários outros aproveitaram também para exigir os seus: direitos de “voz” para as mulheres, movimento pacifista dos soldados que foram ao Iraque, apoiadores de um Estado Palestino (que teve até “bloco” no desfile), etc.





O desfile teve seus momentos escandalosos, como se podia esperar, até mesmo por parte do público. Afinal de contas, não é só um desfile, é todo o clima do ambiente em volta, a forma como as pessoas de fato vivem.




(Com vocês, a rainha gay latina!)




No entanto, mais para o fim do desfile, podia-se perceber que nem tudo é só festa. Os últimos blocos eram de associações de advogados, empregados e empregadores a favor do direito dos homossexuais; policiais e bombeiros da cidade em seus belos uniformes (entusiasticamente aplaudidos pela platéia, num ato que me emocionou profundamente); empresas que orgulham-se por empregar funcionários gays (NADA nos EUA deixa de ter conotação comercial, mas como eu já me manifestei antes, tudo bem!); e, finalmente – e eu como brasileira fiquei impressionada – movimentos religiosos simpatizantes. Famílias católicas (!), representantes de igrejas “crentes”, e até mesmo padres anglicanos, seguidos de uma trupe de fiéis de suas respectivas paróquias. Nome e sobrenome dos padres podiam ser lidos nas faixas penduradas em seus carros.




(Reparem na bandeirinha brasileira na camisa do jovenzinho!!!)


(Os padres também foram particularmente bem aplaudidos pelo povo.)

E finalmente, quase ao fim do desfile, isso:

("I support gay marriage")


("God is Love")
Só para se ter uma noção, o desfile percorreu 2 km, debaixo de um sol escaldante no auge do verão californiano. Dada a grande quantidade de blocos, cada um deles teve que ir numa velocidade considerável. EU tive dificuldade de andar tudo sem parar algumas vezes debaixo de uma sombra fresca. Quem me diz agora que o que estas duas senhoras (principalmente a segunda) quiseram manifestar não é algo sério?

Duas semanas atrás, fui para o outro ícone do liberalismo San Franciscano: o bairro dos hippies, Haight-Ashbury.


Dizem que no auge do movimento hippie, mais precisamente durante o verão do ano de 1967 – o “Verão do Amor” – mais de 75 mil pessoas acomodaram-se no bairro para participar da “revolução”. Agora, apesar do movimento resumir-se a velhos com longos cabelos, tatuagens e rastafáris vendendo lembrancinhas em suas barraquinhas, há dois festivais anuais que já ocorrem há algumas décadas: a feira de rua, em Junho (a que eu fui), e algo como o “Festival do Amor”, em Outubro (não vi referências no guia, apenas dei uma de enxerida e fiquei ouvindo a conversa de pessoas dentro do café de H-A).
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(Cartaz oficial do Festival de Rua deste ano, juntamente com cartazes dos outros anos.)



(O clima de "Paz e Amor" reina em todo o bairro de Haight-Ashbury". Este é um típico café.)


Poucas semanas depois de chegar na Bay Area, comecei a reparar na enorme quantidade de um certo carro da Toyota nas ruas. Sua freqüência é como o “Palio” no Brasil, mas sua beleza equipara-se a um pequeno Xsara, com um traseiro de carro esporte. Jurei a mim mesma que, caso chegasse ao Brasil, mesmo que custe 3 vezes mais caro do que o quanto custaria aqui, eu teria meu “Prius” (principalmente o vermelho!). Não pude deixar de comentar com Ben, meu cunhado, quando ele e minha irmã vieram visitar a família dele aqui em Oakland. “-Ah! É um carro super econômico, bastante eco-friendly. A Toyota já tem uma lista de mais de um ano de espera!” É óbvio. É óbvio que tinha alguma conotação política/ideológica por trás do enorme gosto popular pelo carrinho. Na mesma semana vi uma reportagem na “The Economist”, sobre um suposto movimento emancipacionista na Califórnia. “A Califórnia do litoral central é completamente incompatível com a Califórnia do resto do estado, principalmente do interior. É a ‘Califórnia do Prius’ versus a ‘Califórnia dos SUVs’ (monstruosas caminhonetes movidas a diesel)”, dizia a reportagem. E até mostrava um mapa com o estado dividido entre ultra-liberais e ultra-conservadores. Para os que pouco conhecem a geografia (e a política) da região, o litoral referido vai do sul de Los Angeles ao norte de Berkeley. É aqui onde se encontram Hollywood, as praias, Berkeley, San Francisco, onde os brancos já são minoria e onde existem três idiomas oficiais: inglês, espanhol e chinês. O liberalismo aqui não é só sexual (com em SF), não é só político (como em Berkeley), mas é também cultural. Aqui, quando você fala que é do Brasil, as pessoas dizem: “- Puxa, que coisa boa a bossa nova brasileira!” (é claro que eu não ouso dizer para eles que antes de vir para cá, foram poucas as vezes em que parei para ouvir uma bossa nova...) Já o interior é a região das grandes fazendas, dos conservadores que elegeram os diversos governadores republicanos, e foram capazes de reverter a legalidade do casamento gay no estado. Mas eles também reclamam (e por isso a Economist acredita que pode haver um racha no estado). Foram os liberais do litoral, protestam eles, que aprovaram a lei que proíbe a criação de vacas confinadas (no estado onde o preço da terra é um dos mais altos do país). Um entrevistado da Economist esbravejou: “- E esses indivíduos sequer viram uma vaca em toda a sua vida!”; algo que eu não duvido nem um pouco.

Mas talvez, esse seja o preço da bela democracia: abrigar debaixo de um mesmo céu pessoas com idéias tão diferentes, que vêem o mundo e as outras pessoas de formas tão diferentes. Na Califórnia, a briga entre fazendeiros e eco-liberais é apenas uma delas. Hoje, em pleno fim-de-semana da “SF Pride”, numa festa ansiada longamente e planejada cuidadosamente (comprovada pelas 95 páginas de seu website), havia uma (pequena) manifestação na esquina mais movimentada de toda a San Francisco (Market com Powell). Quando eu vi, não pude deixar de rir muito...





Tal é a democracia! Viva o mundo livre!

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Na terra do liberalismo (1)

Na terra governada por Conan, o Bárbaro, ou o Exterminador do Futuro, ou o Tira que foi para o Jardim de Infância, o mínimo que se podia imaginar era que política fosse uma grande ficção ou comédia por aqui. Muito pelo contrário. Se a Califórnia não for o lugar de maior ativismo político nos EUA (e eu duvido que não seja), certamente ela é o de maior ativismo político liberal. E não há a menor sombra de dúvida que UC Berkeley tenha o corpo estudantil mais politicamente ativo do país.

Tudo começou em 10 de Setembro de 1965. Num drama que durou quase 120 dias, os estudantes da graduação, incitados por uma carta anônima, iniciaram um movimento e uma longa e conturbada batalha contra a reitoria, reivindicando o direito à livre manifestação de idéias e ao direito de organização (uma típica universidade norte-americana chega a ter mais de 100 organizações estudantis, de cunho político, religioso, étnico, cultural, profissional, de orientação sexual, etc.). O movimento ficou conhecido como “Free Speech Movement”. Sua importância pode ser atestada não somente pela homenagem no nome do café da Biblioteca mais freqüentada do campus, mas também pela doação feita por um ex-funcionário, no valor de $3,5 milhões de dólares, usados especificamente para resgatar a memória e os documentos referentes àqueles históricos 4 meses (a criação do café também foi fruto de parte da doação milionária).

Depois veio a década de 1970 e a inesquecível (em todos os sentidos) Guerra do Vietnã. Lembro-me de um dos melhores professores que tive em Wisconsin, que fez PhD aqui em Berkeley naquela época. Em uma de suas aulas ele contou, com brilho nos olhos, como foram aqueles dias de protestos estudantis. Hoje, caminhando pela passarela na frente da Sather Gate, vendo os alunos conversando animadamente, consigo imaginar-me voltando no tempo e presenciando os estudantes de cabelo comprido, cara meio hippie-meio intelectual (tipo John Lennon), usando as camisetas tingidas de tinta colorida e clamando contra a guerra.

Muitos céticos reclamam que os bons tempos já se foram. “Não se fazem mais alunos conscientizados como antigamente”, dizem os saudosistas ranzinzas. Pois eu não concordo. Em menos de 4 meses, além de presenciar a rotina dos membros das associações estudantis que, incansavelmente, todos os dias, montavam suas mesinhas na passarela à frente da Sather Gate para divulgar suas atividades e atrair novos membros (fazendo bom uso do direito conquistado a duras penas por seus velhos colegas do Free Speech Movement), presenciei pelo menos uma manifestação por semana para chamar atenção de assuntos diversos: lembrança do massacre dos armênios na Turquia, protesto demandando um novo Estado Palestino, protesto contra as tropas americanas no Iraque, protesto a favor das mulheres israelenses, etc. Tudo é possível e tudo é respeitado num exercício admirável de democracia.

(Estudantes lembrando o massacre dos armênios na Turquia no começo do século 20).


(Dias depois, no mesmo lugar, haveria uma manifestação a favor dos palestinos...)

Obviamente, Berkeley reflete o liberalismo extremado da Califórnia litorânea (sobre o qual falarei no próximo texto) e tem seu viés absolutamente liberal. Entende-se por liberal, toda ideologia a favor dos fracos e oprimidos, e você pode definir “fracos” e “oprimidos” como preferir: os massacrados pela super-potência mundial ou regional, os homossexuais que são perseguidos pela grande maioria homofóbica, ou os animais indefesos que são maltratados pelos seres humanos cruéis. No começo do ano letivo de 2008/9 (em Setembro do ano passado), a universidade criou uma campanha para comemorar os 140 anos de fundação. Para isso, montou um enorme painel com bonitas fotos de alunos e funcionários, cada um expressando uma frase de gratidão para a universidade. Dias depois, passando por ele, reparei em algo estranho numa das fotos. A mensagem não parecia ser do aluno fotografado:

(Passando novamente por lá algum tempo depois, a mensagem-protesto tinha sumido. Uma grossa camada de tinta branca podia ser vista no lugar. Faltava apenas algumas semanas para a época de formaturas e visitação das famílias ao campus...)

Fiquei sabendo – e vi fotos – que no dia em que ficou confirmada a eleição de Barack Obama como o novo presidente dos EUA houve uma mega-festa, que entrou madrugada adentro, na famosa passarela da Sather Gate e que se estendeu à Telegraph Avenue (mais importante avenida comercial nos arredores do campus). Sabe o Brasil quando vence a Copa do Mundo? Pois é, igualzinho. (Ou seja, a utilidade de um novo presidente para os alunos americanos de Berkeley = a utilidade de uma taça para os cidadãos brasileiros).

Mas o espírito rebelde não fica limitado aos limites geográficos do campus. Outro incidente ocorreu nos fins da década de 1960 quando a prefeitura expulsou um grupo de hippies e “desocupados” ao derrubar o prédio que os abrigava, com a justificativa de que seria terreno da universidade. Percebendo-se a mentira pública, os protestos começaram e contaram com outros simpatizantes. O fim foi trágico, com a morte de um manifestante e a cegueira de outro, causados pela polícia local, apoiada pelo governador da época, o republicano Ronald Reagan. Hoje, no local da batalha ergue-se um parque chamado “The People’s Park” em homenagem aquele mês em que o povo uniu-se contra a força e violência do Estado. Fui para lá num ensolarado domingo e o parque estava repleto de velhos hippies (e indisfarçável cheiro de maconha). No simples palco montado, um velho de cabelos compridos discursava contra a exploração desumana dos empregadores contra seus empregados que não têm alternativas de melhores empregos.


Os berkeleyanos têm muito orgulho deste espírito rebelde e liberal, e deixam explícito para qualquer pessoa que entra na cidade. A divisa entre Oakland e Berkeley não é marcada, como acontece em qualquer cidade normal nos EUA, por uma placa do tipo “Cidade de Berkeley, População: XXX mil”. O que se vê quando se cruza a fronteira é isso:


Eu não sei ao certo quem colocou a placa ali, e no começo fiquei me perguntando se eu não estava deixando de entender algo mais “complexo” por trás desta simples mensagem (Nuclear Free Zone). Mas depois ouvi gente mais conservadora tirando sarro da placa. Ela quer dizer exatamente o que se lê...

Semana que vem atravessaremos a baía para conhecer o espírito liberal de San Francisco, mais conhecido e mais escandaloso...

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Como se pode viver uma vida sem arte?

Passei o aniversário deste ano fazendo uma peregrinação: 6,5 km na ida e 6,5 km na volta, 4 horas de caminhada pelas ruas não planas de San Francisco, somente para poder ficar 30 minutos de frente ao Palace of Fine Arts. Como o guia impresso explica, este é um monumento em estilo grego, remanescente de uma exposição de 1915. “Aos olhos de hoje, é uma triste e sentimental peça com colunata decorada com figuras chorando que representam a melancolia da vida sem a arte”.





Para mim, o Palace of Fine Arts não tem nada de triste. É uma coisa maravilhosa, num lugar maravilhoso, e, apesar das figuras femininas debruçadas chorando, isso é apenas um lembrete para a importância da arte, que os californianos não se esqueceram nem um pouco.

Não vou falar hoje sobre os museus de San Francisco que, como os de qualquer grande cidade americana (e não só Nova Iorque...), seriam uma comparação covarde aos nossos pobres MASPs.

Vou falar hoje sobre os dois fins de semana de “Open Studio” de Berkeley e Oakland. O que são os open studios? Como o próprio nome indica, os artistas da região abrem as portas de seus estúdios – ou ateliês – para mostrar seus mais belos trabalhos ao público e, claro, aproveitam para vender. O público especializado já freqüenta estes estúdios ao longo do ano, mas o público leigo não. E, como tudo neste país, a organização é extrema. Nas semanas anteriores há forte divulgação do evento nos canais de comunicação. Há uma revista que é impressa aos milhões (eu devo ter visto mais de 1000 exemplares espalhados pela cidade), e dentro dela há a apresentação de cada artista, o seu tipo de arte, e seis mapas destas duas minúsculas cidades indicando o local exato de cada estúdio. Isso não seria nada se houvesse uma meia dúzia de artistas. Bem, Berkeley e Oakland, as duas mais importantes cidades da East Bay, devem ter juntas por volta de 500 mil habitantes. E quantos artistas participaram do evento? Nada menos do que QUATROCENTOS E VINTE!!! (Será que conseguiríamos juntar quatrocentos e vinte artistas para expor seus trabalhos em toda a cidade de São Paulo?)

Quatrocentos e vinte aristas apresentando trabalhos em fotografia, artes plásticas, esculturas, cerâmica, vidro, jóias, etc. – e, dentro de cada categoria, as mais inimagináveis variações possíveis (inimaginável principalmente para nós, de um país sem tradição artística). Em artes plásticas, estão incluídas tanto a artista de telas “clássicas”que acabou de se mudar para cá de Chicago, quanto a amiga da Trish que faz arte, ou melhor Arte (e que Arte!) em quadrinhos. Seus trabalhos incluem desenhos cômicos da vida de uma artista, e também dramáticos quadrinhos em preto e branco sobre a fuga de 5 judeus da Alemanha nazista (nome e sobrenome verídicos dos personagens inclusos). Ainda em artes plásticas, há ainda o que eu chamo de “arte doméstica”. Trish adorou os lenços de seda pintados com águas vivas. Deste estúdio eu preferi os mesmos lenços, mas com variações abstratas em verde e azul. Tem ainda o artista descendente de mexicanos, que faz desenhos com uma técnica que eu absolutamente desconheço (e eu leio sobre arte!), mas que me pareceu usar nanquim e tintas coloridas. Suas gravuras são de traços finíssimos, coloridos com sombras escuras, numa combinação de virgens marias e dragões que remetem a alguma curiosa cultura exótica. Olhando a criatividade, o trabalho meticuloso dele, eu cheguei a uma conclusão: Eu sempre detestei arte contemporânea, achando-a uma desculpa para os “artistas” serem preguiçosos ao ponto de pintarem uma tela inteira com tinta de uma cor só, e chamá-la de “Sem Título”. A grande verdade é que, não é a Arte Contemporânea que é ruim. Ruins são todos os “artistas” que conheci até hoje. Certamente o que Pete Villaseñor faz é Arte Contemporânea, e certamente é lindo.
As manifestações de criatividade não param por aí. Um dos ateliês era de um senhor de meia-idade, que durante a semana certamente trabalha num banco ou num escritório de advocacia. Todos os seus trabalhos eram baseados em livros: estantes construídas a partir de livros, prateleiras construídas a partir de livros (para que livros de verdade fiquem empilhados em cima de falsos livros), mesas, sofás, etc. No chão do estúdio havia uma ratoeira de verdade e ... um “mouse” – de computador – preso nela. Que impulso de criatividade!!! Ainda ali, aqueles quadros de madeira com gancho para se prender chaves. Mas os dele eram todos combinados com títulos de livros conhecidos. Um deles era algo como “O Misterioso Sumiço das Coisas”. Quase comprei para minha irmã que vive perdendo suas chaves.
Foi neste fim de semana que descobri meu amor por cerâmica. Quando falamos em cerâmica no Brasil, pensamos em objetos de barro, primitivas, rudimentares (tem gente que também gosta deste tipo de cerâmica, o que eu respeito). Nada disso aqui. Objetos funcionais e belíssimos, coloridos, brilhantes, com formatos não descritíveis por palavras. Como é possível usar um prato em cujo centro encontra-se uma figura abstrata, numa combinação perfeita de cores e com bordas meticulosamente furadas? E tigelas, e canecos, e saleiros .... todos em cores lindíssimas (verde e preto, vermelho e preto, amarelo e laranja, azuis, degradês em todas as tonalidades, etc, etc, etc). E claro, os bules (há artistas que SOMENTE produzem bules). Mas são nos vasos e jarros que os artistas sentem-se mais livres para expressar seus sentimentos.
Finalmente, meu segundo amor, joalheria artística. Artistas que conseguem emaranhar, de forma bela, fios de prata e de ouro, combinando com pedras de cores raramente vistas. Pingentes que parecem finíssimos tecidos de ouro, com figuras também de ouro incrustadas por cima. Peças de nenhuma Vivara chega aos pés daquilo que vi. E a fantástica artista que perguntou: “- Por que o brinco de um par tem que ser idêntico ao outro?” Com o inteligente (e criativo) emprego da geometria, das formas das pedras e das cores, ela foi capaz de criar brincos absolutamente únicos – de um lado e do outro – mas que ninguém teria a menor dificuldade em encontrar seu par. Aquilo foi uma prova importante para mim de como vivemos numa sociedade de convenções que não fazem sentido.

Obviamente não visitamos todos os quatrocentos e vinte estúdios. Nem mesmo 10% deles. Mas já foi o suficiente para eu querer desesperadamente ser rica e poder comprar todos os objetos de arte que acho belos. (Só não comprei as cerâmicas pois não sei como levar na mala de volta para o Brasil). Os mais céticos diriam: “Ah, mas este tipo de evento é criado para fins comerciais!” É lógico que é! E quer saber? Eu não estou nem aí! E quem me dera se no Brasil houvesse mais mentes para ajudar os artistas a pensar e organizar Arte para fins comerciais! Aí, os artistas de verdade poderiam se sentir absolutamente livres de pressão, de preocupação, e de medos. Só assim, a Arte flui, e só assim é que é possível alcançar os limites da possibilidade criativa. Aí a criatividade (que o brasileiro adora dizer que tem de sobra) poderia se manifestar para fins puramente estéticos. Porque a Vida PRECISA de Beleza. E uma Vida sem Arte é absolutamente melancólica, como bem nos lembram as figuras do Palace of Fine Arts.