domingo, 29 de março de 2009

Primavera no campus, cafés nas universidades

É primavera... Depois dos vários dias de chuva, o verde está muito verde. Num campus bucólico como o de Berkeley, isso quer dizer que somos dominados por um verde ofuscante, quase agressivo. Emendando o mundo verde está o céu: azul, azulzísssimo, limpidíssimo. E o sol. O sol que ilumina descontraidamente todos os dias. Como de fato ainda é inverno, e como afinal de contas estamos acima do Trópico de Câncer, este é um sol que não faz mal, que não queima. Ou seja, um sol perfeito. E é Spring Break no campus. Uma semana livre dos “aborrecentes” e principalmente do barulho desnecessário. No campus, só os “velhos”, os nerds confessos, os grad students (= nerds confessos), e a criançada que vem em excursões escolares com os tios e tias (assunto para blog futuro...)

Estou sentada numa das mesinhas externas do Café Strada, um dos cafés mais populares do campus. Os sinos do Carillon Tower estão tocando (uma de suas duas apresentações diárias). Somado a tudo isso, as flores coloridas espalhadas por todos os lugares, e o café gelado delicioso que estou tomando... posso dizer que sinto uma momentânea e inambiciosa sensação de felicidade (com “f” minúsculo, mas mesmo assim, felicidade).

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Os cafés são uma instituição de importância crucial na vida universitária norte-americana. Toda universidade tem, como anexo, um conjunto peculiar e nunca pouco numeroso de cafés. Em Madison, Wisconsin, a principal (e única...) rua, a State Street começa e termina com um café. Na Brown, o café é o local de encontro de associações de estudantes, inclusive a dos brasileiros. A primeira coisa que se vê ao se aproximar do campus de Harvard é a livraria da universidade e o café. Aqui em Berkeley, logicamente, não seria diferente. O programinha que tenho no meu IPhone, o “Around Me”, sugere-me 31 cafés perto de mim, num raio de 1 milha (1,6 km). É claro que tem mais, já sabendo que nenhum dentro da universidade entra na lista. Nestes 2 meses que estou aqui, já escolhi 4 favoritos: o Strada, o Café da International House (também muito popular), o Café Terrace e o “Free Speech Movement Café”. Todos os quatro têm algumas características importantes: localizados dentro do campus, grandes o suficiente para acomodar bastante gente, e, mais importante, com mesas ao céu aberto para dias lindos como hoje.



O Strada tem um amplo espaço aberto e está do lado da Law School, por isso, os advogados o amam. Entrei em contato com um professor de direito de Columbia, e, ao saber que estou em Berkeley, ele só se lembrou de perguntar como andava o Café Strada... Mas outros cientistas também se rendem a ele. Um amigo físico, que faz pos-doc em San Francisco e nunca morou em Berkeley, veio um domingo almoçar comigo. Para manter a minha velha tradição brasileira, convidei-o para tomar um café depois do almoço. Eu disse que tinha um lugar aberto, muito popular bem perto do campus. “- Eu acho que você deve estar falando do Café Strada...” Foi este mesmo amigo que falou que ouviu notícias de que algum tempo atrás, veio uma quadrilha e fez um “arrastão” por aqui, levando o notebook de todas as pessoas. Seria irônico, pois a polícia do campus fica a alguns metros daqui...

O “Free Speech Movement Café” fica na biblioteca dos alunos de graduação, a Moffit. Homenageia o movimento que nasceu em Berkeley em 1960 e se espalhou pelo mundo inteiro. Tem um lindo terraço que dá de frente a um dos meus prédios favoritos no campus, o da Biologia. Fora isso, a localização também é excelente, bem no coração do campus.

O Café Terrace é a única coisa que os economistas tem de bom neste campus. Mas na verdade, ele está localizado no prédio da Engenharia (que fica do lado da Economia). É um grande terraço, não só com mesinhas ao ar livre, mas o próprio café também mal tem portas. E o melhor para mim, são as “cabinezinhas”, onde ficam algumas mesas de madeira. Eu poderia ficar lá por horas e horas, principalmente num dia em que não estivesse muito quente.

Finalmente, o Café do International House, a uns 200 passos da porta do meu quarto. Quando estou de saco cheio da comida o IHouse, ou quando quero comer um bolinho de chocolate (muffin), ou melhor, quando estou a fim de sentar num belo dia de sol olhando para a Golden Gate e a baía de San Francisco, eu vou para lá.



E qual é o papel dos cafés na vida universitária? Eu já disse que aqui se estuda MUITO (eu disse MUITO), e as pessoas não tem problema em mostrar que passam o tempo todo estudando. E as pessoas são descontraídas, não suportam repressões. O café sintetiza um ambiente que atende bem a todos estes requisitos: as pessoas vêm com seus notebooks e cadernos e ficam estudando (como parece que estou fazendo neste exato momento), quanto tempo quiserem. O ideal do café é que ninguém vai vir encher o seu saco, muito menos garçons ou garçonetes excessivamente solícitos querendo limpar sua mesa – como se faz no Brasil (o lugar mais remotamente parecido neste quesito é o Starbucks da Alameda Santos com a Campinas; espero que eles não mudem!!!). Pagando US$ 2,60 por um café posso ficar aqui o tempo que quiser. A sofisticação tecnológica faz com que todos eles, mesmo os fora do campus, ofereçam ambiente wireless. Além disso, se você vier cedo e conseguir um bom spot você ainda consegue não gastar a bateria de seu notebook plugando-o a uma tomada (Infelizmente não foi o meu caso hoje...). Se você for cara de pau, tem tomadas específicas para recarregar o seu celular também. Outras vantagens dos cafés: você pode falar no celular, no skype, com amigos que porventura passem, fumar, e, claro, comer. Os meus quatro favoritos ainda permitem que se veja a movimentação da rua, dos passarinhos nas árvores, dos aviões no céu, e se pegue uma “corzinha” tomando sol. É difícil não ser feliz assim... Mesmo estudar fica muito mais fácil... E é isso que vou fazer agora...

segunda-feira, 16 de março de 2009

A Academy of St. Martin in the Fields, ou Luciana no país dos Maravelhos

Numa tarde de quinta-feira, voltando de fora, decido que é hora de enfrentar novamente a caixa de correios. Deixo todo o material que carregava em cima de uma mesinha, abro minha carteira e pego o pequeno cartãozinho verde com instruções:
“Vire a chave para a direita 3 vezes. Depois, pare no ‘I’, então vire a esquerda, passe pelo ‘I’, e pare no ‘F ½’. Daí vire para a direita e pare no ‘A’. Então gire a pequena maçaneta para a esquerda e puxe a portinha para abri-la”. Detalhe: o tamanho da caixa de correios é de uns 8cm x 10cm...
Felizmente, desta vez, havia um monte de coisa dentro. Das duas últimas vezes, depois de seguir todas as instruções, eu havia me deparado com uma caixa vazia. Senti-me uma completa idiota (lembro-me de ter falado um palavrão numa das vezes). Ao pegar meu material de volta, sem querer, acabo levando um exemplar de jornal que estava em cima da mesinha. Dou uma rápida olhada na capa: programação semanal dos eventos no campus. “Não custa nada levar!”

Horas depois, faxina diária: jogar os 500 papéis que recebemos ao longo do dia (tem manual pra tudo neste país: além de equipamentos eletrônicos, tem manual para o aluno, manual para o visitante, manual para o estrangeiro, manual para o aluno visitante estrangeiro, manual do seguro de saúde, manual do metrô, manual de cada uma das 20 bibliotecas do campus, 70 páginas de manual do residente do International House, etc...). Antes de descartar o jornalzinho que tinha acabado de pegar, dou uma folheada rápida. Vejo a foto de uma bonita loira, fazendo pose com um violino: “Revelação do ano 2007 aos 24 anos, a alemã blá, blá, blá...” Já estava virando a página quando... Peraí! Eu li “Academy of St. Martin in the Fields”? Volto e leio o quadro que ocupava meia página do jornal. Eu não acredito! Releio tudo. A Academy of St. Martin in the Fields, uma das mais famosas orquestras do mundo (de Londres) estaria tocando dali a 48 horas, a 500 metros da minha “casa”!!! Na manhã seguinte, estava eu na bilheteria comprando meu ingresso.

Sábado. Chovia e fazia um frio inimaginável para as terras californianas. A emoção fez-me esquecer tudo isso, fantasiar-me de cebola e sair para a rua. Entro no teatro uma hora e quinze minutos antes do concerto começar. Haveria antes uma palestra acadêmica sobre os compositores da noite (Britten, Bach e Walton). Anunciado o nome do palestrante, vejo duas pessoas entrando vagarosamente no palco e... um cachorro golden retriever! O professor palestrante era cego!!! Meus olhos ficaram molhados. Primeiro porque cachorro e música clássica são duas coisas que tocam profundamente minha alma. Os dois juntos, ao mesmo tempo, tem um efeito multiplicado. Segundo porque... caramba ! Que lugar maravilhoso, onde as pessoas são respeitadas pelo o que são, e têm de fato as mesmas oportunidades! O requisito aqui é ter mérito. Será que a proporção de cegos, deficientes físicos no Brasil é mais baixo do que aqui? Por que eu nunca vi nenhum cego, nenhum cadeirante na USP, na Unicamp, etc. e vejo em várias escolas daqui, muitos exercendo cargos de destaque?

Depois da ótima palestra – em que o cego ligou, deu fast-forward, rewind, etc no CD de Bach – o público que não quis assisti-la começou a chegar. E chegava, e chegava, e o grande teatro foi enchendo, enchendo... de idosos!!!!! Quando eu digo idosos, estou dizendo, mais de 60, 65 anos de idade, cabeleira branca (homens e mulheres), com certeza aposentados já há alguns anos. De início aquele foi um mero detalhe. Com o passar do tempo, fui começando a achar que tinha algo de muito errado. Mas não tinha. E os velhos continuaram chegando, até eu ser rodeada por eles pela frente, pelos lados, por atrás... Só não fui acometida por um sentimento de pânico, pois eu vi uns 20 “jovens” (certamente não mais do que isso) naquele teatro que tinha capacidade para mais de 2 mil pessoas e que estava pelo menos 70% cheio. Pensamentos foram inundando minha mente: cadê a população jovem daquela que era uma cidade universitária? Os jovens não vieram porque o ingresso era caro? Eu paguei 53 dólares para assistir à Academy of St. Martin in the Fields, porque dada a burocracia da universidade eu ainda não tinha conseguido tirar o Cal ID e não consegui nenhum tipo de desconto. No Brasil, eu teria pago 104 reais, no mesmo lugar (mezzanino) para assistir a uma orquestra local. E aí comecei a filosofar sobre questões de concentração de renda no Brasil vs. EUA (em todas as vezes que vou a concertos em São Paulo, eu sempre encontro com alguns alunos do IBMEC, sem contar que nunca me ocorreu de passar por algo parecido aquela noite). Felizmente, logo, logo o espetáculo começou. Deixei de lado as dúvidas sociológicas e o desconforto de estar invadindo o terreno dos velhinhos, entreguei-me de corpo e alma para a apreciação da boa música daquela noite.

PS1: A Academy of St. Martin in the Fields também é quase inteiramente dominada por “velhos” – mas bem mais novos que a platéia daquela noite. Entretanto, eles não tem maestro (como nos velhos tempos do barroco) mas tem uma diretora (a primeira-violinista), que é a tal da alemã de 24 anos de idade! Perto dela – e do talento dela – EU me senti uma velha!!!

PS2: Dias depois, fui a um concerto do Departamento de Música da universidade, pagando 10 dólares para ouvir um piano original de 1857. Desta vez, a platéia estava lotada de jovens estudantes (que pagaram 5 dólares). A questão da concentração de renda FAZ sentido! Mas vamos deixar isso de lado... O espetáculo foi uma maravilha, apresentada por jovens de 22, 23 anos que NÃO SÃO alunos de Música: Biologia, Engenharia, Astrofísica, Psicologia... E eu, aos 34 anos, mal consigo arranhar três escalas na flauta... Shame on me!

segunda-feira, 9 de março de 2009

Americanos, por eles mesmos

(Este texto é dedicado àqueles que um dia pensam em passar um tempo nos EUA, ou lugar parecido... Espero que ajude!)

Todos os indivíduos quando vão parar em terras estrangeiras – para morar ou ficar um longo tempo – não demoram para chegar a conclusões sobre “como é o povo local”. Estas logo se tornam assunto favorito de conversas de rodinhas quando se juntam dois ou mais indivíduos da mesma nacionalidade. Como já discutimos sobre Lévy Strauss aqui neste blog, dá para adivinhar que tais conclusões são normalmente negativas: chineses no Brasil falam mal dos brasileiros; brasileiros na América falam dos americanos; americanos na Europa falam mal dos europeus... Não tem como escapar. Este comportamento, aparentemente arrogante e petulante, é na verdade uma tentativa (malsucedida) de tentar compreender a cultura local, de tirar regras de comportamento dos nativos para saber comportar-se de forma adequada e ser aceito. O que no fundo todos querem é ser felizes – temporariamente ou para sempre – nas terras estrangeiras. Mas, como as conclusões tiradas nem sempre correspondem à realidade – na maioria das vezes são apenas estereótipos longe de serem generalizáveis – o resultado final pode ser de mais sofrimento.

Por isso, é de extremo valor quando podemos nos deparar com descrições sobre o ser e o agir de um povo descritos por seus genuínos representantes. A parcialidade e o viés não estão de todo anulados, mas certamente a visão é muito mais acurada, ampla, sem contar que, por motivos sociológicos que não merecem ser aprofundados aqui, pessoas que se dispõem a escrever tratados sobre o seu povo, normalmente têm uma capacidade de análise e crítica mais privilegiados. Por isso, mal posso descrever minha felicidade quando o pessoal do International Office da universidade, durante o encontro de boas-vindas, entregou-nos um conjunto de “manuais” (de sobrevivência nos EUA...) onde encontrava-se também a lista abaixo. Como eu teria sido mais feliz se tivesse lido isso BEM antes! Espero que agora muitos de vocês possam fazer bom uso dela. Mas atenção: quem vai para Disneylândia ou fazer compras na 5a Avenida em Nova York NÃO precisa desta lista!!!

Os Valores com os quais os Americanos Vivem
1. Controle pessoal sobre o Ambiente: as pessoas podem e devem controlar a natureza, seu meio-ambiente e seu destino. O futuro não é determinado pelo destino.
Resultados: Uma sociedade energética, orientado por metas e objetivos claros.
2. Mudança e Mobilidade: mudanças são vistas como positivas, boas, significam progresso, desenvolvimento e crescimento.
Resultados: Sociedade em constante movimento geográfico, econômico e social.
3. O Tempo e seu Controle: o tempo é precioso, o alcance de objetivos depende no uso produtivo do tempo.
Resultados: Eficiência e progresso muitas vezes às custas de relações pessoais.
4. Igualdade: as pessoas têm oportunidades iguais, e são importantes como indivíduos, pelo o que elas são, não da família das quais elas vêm.
Resultados: Pouca hierarquia ou reconhecimento de status.
5. Individualidade, Independência e Privacidade: as pessoas são vistas como indivíduos separados (não membros de grupos) com necessidades individuais. As pessoas precisam de tempo para ficarem sozinhas e serem elas mesmas.
Resultados: Americanos vistos como egocêntricos e algumas vezes isolados e sozinhos.
6. Auto-Ajuda: os americanos têm orgulho de suas conquistas pessoais, não no nome.
Resultados: Respeito conferido a conquistas e não “acidentes de nascimento”.
7. Competição e Livre Empreendedorismo: os americanos acreditam que a competição traz o melhor das pessoas e o livre empreendedorismo produz o máximo de progresso e sucesso.
Resultados: Menor ênfase na cooperação e mais ênfase na competição.
8. Ação e Orientação ao Trabalho: os americanos acreditam que trabalho é moralmente correto, e que é imoral gastar tempo.
Resultados: Mais ênfase em “fazer” do que em “ser”. Atitude pragmática, com sentido claro com relação à vida.
9. Informalidade: os americanos acreditam que a formalidade expressa arrogância e superioridade.
Resultado: Atitudes casuais, igualitárias entre as pessoas e em suas relações.
10. Honestidade, Abertura e “Directness”: só se pode confiar em pessoas que “olham em seus olhos” e “dizem as coisas como elas são”. A verdade é função da realidade não das circunstâncias.
Resultados: As pessoas tendem a dizer a verdade e não se preocupar em “guardar a cara” ou a honra da outra pessoa.

(Adaptado de “The Values Americans Live By” de Robert Kohls)

Acho que eu não tenho me equivocado muito nas análises deste blog, não é mesmo? ☺

domingo, 1 de março de 2009

Professores americanos, por uma professora brasileira



O primeiro a gente nunca esquece... Primeiro seminário acadêmico em terras norte-americanas, poucas semanas depois de chegar. O apresentador era um aluno brasileiro, quase concluindo seu PhD em Economia na Universidade de Wisconsin. Certamente depois de vários anos de sofrimento, ele finalmente via seu “filho” nascido. Certamente também tinha ido à apresentação com muito orgulho e muita vontade de mostrar a todos a criança. Entretanto, os professores na platéia quase não o deixaram falar, de tantos comentários, perguntas, opiniões sobre o tema que tinham. Um deles em particular, estava muito exaltado: não parava de fazer comentários e críticas de forma que para mim soaram agressivas (meu primeiro seminário...) Lembro-me de nosso brasileiro, segurando a latinha de Diet Coke, andando de lá pra cá, de cá pra lá, de forma que, naquela época, parecia-me nervosa. Ao fim, quando ele tinha terminado sua exposição, aquele professor continuou com os comentários e perguntou num tom alto e firme: “-Afinal de contas, para que serviu o seu trabalho? Porque você não conseguiu fazer o que você disse que iria fazer no começo!” Eu, que estava no fundo da sala, sem ninguém me olhando, sem ter nada a ver com a estória, depois de ouvir isso quis esconder por baixo da mesa, por baixo da terra, sumir do planeta!!! Com todo o mal-estar que EU senti, não me lembro de o que o coitado respondeu.Terminado o seminário, e também o meu sufoco, surprise, suprise! O professor algoz e ele saíram juntos, rindo, para irem tomar um café!!! Esta cena foi uma das melhores coisas que eu vi, principalmente por ter sido nas primeiras semanas de vida acadêmica nos EUA. Ela me ensinou uma lição importantíssima: os americanos, especialmente acadêmicos, NÃO LEVAM PARA O LADO PESSOAL! Ter isso claro em mente foi e é muito importante para qualquer pessoa que queira enfrentar a academia norte-americana. E caramba, que inveja!
Mais de 10 anos depois, em Berkeley, hoje eu não mais me impressiono com as críticas “agressivas” dos acadêmicos. Pergunte a qualquer um deles e eles te dirão conscientemente que este é o papel dos acadêmicos: criticar. Isso faz parte do jogo, e é o que faz as coisas andarem, e é o que faz os EUA continuarem a ser o maior centro de produção de conhecimento humano do mundo. E não é nada pessoal!!! Mas eu ainda me impressiono com o envolvimento dos acadêmicos daqui. Em qualquer seminário a orla de professores é imensa. Não é raro ver 10, 15 professores num seminário semanal e você, apresentador, pode ter a certeza que os 15 hão de querer falar – todos eles – sendo que alguns vão querer falar mais do que você! Já fui a um seminário em que a proporção de tempo falado pela apresentadora e pela platéia foi de 1:2, ou seja, a cada 30 segundos que a mulher falava, a platéia falava 1 minuto. No fim, ela claramente não tinha terminado e perguntou qual era a regra, dado que o tempo tinha acabado. O coordenador disse: “A regra é que o tempo acabou!” Ou seja, prepare bem seu tempo!

O primeiro a gente nunca esquece... Primeiro encontro com meu “orientador” daqui de Berkeley, o famoso especialista em Law and Economics, autor do livro-texto que uso com meus alunos há 5 anos. Cheguei mais cedo ao office-hour e já havia uma moça esperando. Ele chegou logo depois, a moça – super simpática – falou para eu ir primeiro porque a reunião dela iria demorar. O Prof. Cooter cumprimentou-me, abriu a sala fazendo uma cara de “quem é essa?”, convidou-me para sentar, fez o mesmo e... colocou os pés em cima de sua mesa!!! Surpreendi-me ao ver um professor de 65 anos de idade fazendo isso! Fui recuperando-me do enorme choque aos poucos e lembrei-me de que sim, a informalidade, o comportamento despojado não significa desrespeito. Aliás, eu já tinha visto meu orientador de mestrado – mais velho que o Prof. Cooter – fazer o mesmo em sua sala. Nós brasileiros esquecemos muitas vezes de jogar fora a necessidade de poses, formalidades e hierarquia. Eu particularmente tenho uma dificuldade maior ainda com relação a isso, talvez por causa da minha herança chinesa.

Quem chega a qualquer universidade americana, logo se sentirá um verdadeiro cidadão do mundo. Fazendo uma retrospectiva dos 4 anos, 2 mestrados e muuuuuuitas aulas que tive em Madison, posso lembrar meus professores das seguintes nacionalidades: americana (claro), inglesa, francesa, neozelandesa/australiana, chinesa, japonesa, coreana, argentina, canadense e indiana (acho que não esqueci ninguém...) Aprender inglês aqui não é somente aprender inglês americano. Você ainda leva de graça, no pacote, o aprendizado de inglês com sotaque chinês, inglês com sotaque indiano, inglês com sotaque castelhano... Depois de algum tempo você passa para o segundo estágio e se torna habilitado(a) a fazer imitações dos diversos tipos (nada mais engraçado do que uma brasileira com cara de chinesa imitando um indiano falando inglês...). Se prestar atenção pelos corredores, nos seminários, será possível identificar (e aprender) mais outros: brasileiros, alemães, ucranianos, italianos, gregos, suecos... Quando será que as universidades de nossa amada Pátria conseguirão atrair 10%, 5% das melhores mentes de todo o mundo que ainda vem para cá aos montes? E caramba, que inveja!

PS: O segundo encontro com o Prof. Cooter foi sem sustos. Ele até me convidou para tomar um chá!